Não é  novidade dizer que os autores bebem de várias fontes de arte e experiências para produzir um conteúdo novo. Essa história de “puramente original” não existe. Existe sim um olhar pessoal e criativo, que reflete em um resultado único ao nos depararmos com a obra final. Com isso, é possível que uma pessoa se depare com resquícios de uma obra de arte em alguma outra produção artística que entra em contato posteriormente. Isso desperta  uma das sensações mais deliciosas que podem acontecer, seja numa leitura, assistindo um filme ou observando uma pintura.

Por exemplo, quando você está lendo um livro e se encontra envolvido na narrativa, e o autor cita o nome de alguma outra obra que você já leu: a sensação vai muito além de um “Ahá, eu sei do que você está falando. Olha como sou inteligente”. O que acontece, naquele momento, é uma união. Significa que em algum momento do passado, escritor e leitor tiveram contato com uma mesma referência, algo que influenciou a obra do primeiro e, até mesmo, por uma questão de gosto em comum, possa ter levado o segundo a seu encontro.

Em outro caso, eu tive um professor que jogava frases de filmes e livros no meio das suas aulas. Ele não fazia isso por arrogância ou para mostrar que conhecia muita coisa. Na verdade, ele nem comunicava que estava citando alguém, soltava aquilo como se fosse parte dele, sem sequer mudar o tom de voz. Vai saber quantas frases deixamos passar batido, sem percebermos essa mania ou joguinho. Suspeito seriamente que ele articulava todas as aulas dele para que essas referências fizessem algum sentido sem serem notadas. De qualquer forma, essas citações, como se fossem o Wally das palavras, eram uma vitória pra quem as encontrasse.

Assim também é em um livro ou filme, quando a citação não é direta, mas sim uma referência mais escondida. Há alguns meses eu li Crash, de J.G. Ballard. Não chega a ser um clássico, mas é bem conhecido. Então, no início do ano, resolvi revisitar a filmografia do Tarantino e eis que encontro Crash vivo em um personagem (Dublê Mike) em À prova de morte. Ja havia assistido o filme anteriormente, mas posso dizer que senti a psicose de Dublê Mike aumentada múltiplas vezes. Em uma cena de batida de carro mostrado no filme, eu relembrava todas as histórias de Crash. O pesadelo literário da narrativa se transformou em uma imagem filmica, sem ser uma adaptação.

Crash é um livro perturbador sobre os tempos atuais. O personagem é apresentado em primeira pessoa e leva o mesmo nome do autor. No livro, Ballard é um ser humano apaixonado por testar seu corpo em acidentes de carro, “ensaiando a sua morte” e, mais do que isso, sente atração e desejo erótico em sofrer acidentes com outras pessoas. Dublê Mike, em À prova de morte, carrega o mesmo desejo.

Mas esse é apenas a minha última descoberta. E existem milhares de Wallys por aí, loucos para deixar nossas leituras mais intrigantes e nos fazer sentir que temos algo a mais em comum com um autor do que o fato de estarmos debruçados em seu livro.

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