Fazer adaptação de um livro não é uma tarefa fácil, principalmente quando se trata de uma narrativa volumosa que precisa ser condensada em, no máximo, duas horas de imagens e, em um ou outro caso excepcional, em mais tempo do que isso. Nesse sentido, tanto a versão cinematográfica sueca quanto a norte-americana de Os homens que não amavam as mulheres são exemplos de filmes que ultrapassaram esse padrão de longa-metragem, com cerca de 2h30 de duração. Justificável, levando em conta que o livro adaptado tem mais de 500 páginas e um grande mistério envolvendo toda a família Vanger a ser solucionado: o assassinato de Harriet, há 40 anos. Além disso, a vida dos personagens Mikael Blomkvist e Lisbeth Salander é exposta entre a busca pelas respostas.

Mesmo assim, alguns trechos ficam de fora de ambos os filmes, e muitas cenas que no livro ganham várias páginas de história e explicação passam em alguns segundos diante dos nossos olhos nas telas. Além disso, soluções rápidas para situações mais complexas também não faltam. Ou seja, Os homens que não amavam as mulheres, em ambas as versões, têm os mesmos problemas que a grande maioria das adaptações possuem e que tanto desagradam os fãs que conheceram a história pelo livro.

Contudo, se formos pensar apenas por esse ponto de vista, a maior parte dos filmes adaptados de obras literárias não faria o menor sentido. Por isso, falando especificamente da versão sueca neste primeiro momento, Os homens que não amavam as mulheres funciona bem como narrativa cinematográfica. Nessa versão, o diretor Niels Arden Oplev optou por seguir bastante a narrativa do livro, com seus principais acontecimentos. O enigma ao redor do desaparecimento de Harriet é intrigante e não perdemos o foco disso. Falando mais sobre estética, gostei muito de alguns enquadramentos escolhidos pelo diretor, como, por exemplo, o momento em que a tatuagem de dragão de Lisbeth é mostrada com uma luz entrecortada, e, com os movimentos de suas costas, temos a impressão de que o dragão está vivo em sua pele. Noomi Rapace, que interpreta Lisbeth nessa adaptação, é dotada de uma interpretação espetacular, na minha opinião. Em um dos ápices de sua atuação, a atriz interpreta um estupro. Os gritos e chutes de Noomi Rapace são assustadores.

Visualmente falando, a atriz Rooney Mara (que interpreta Lisbeth na versão norte-americana) carrega uma primeira impressão bem mais impactante do que Noomi Rapace. A atriz é mais pálida, magra e impõe presença em seus olhares fulminantes. No entanto, como aparece bem pouco na primeira hora de filme, fica difícil criar algum laço com a personagem. Não que a versão sueca seja muito diferente disso, já que o foco dessa primeira parte do filme é Mikael e o início das investigações sobre a familia Vanger, além do caso Wennerstrom. Mas senti os momentos eleitos pela adaptação sueca mais capazes de criar esse vínculo inicial, isso, inclusive, porque as duas versões apresentam um início e participação diferentes de Lisbeth nas investigações. Tentando resumir sem passar spoilers, na narrativa sueca temos uma Lisbeth a todo tempo fechada e que conquista. Na americana, uma totalmente fechada e que, em uma virada, torna-se mais aberta.

Ao assistir ou simplesmente citar a versão americana, dirigida por David Fincher, não há como não se perguntar o porquê de uma nova adaptação em tão pouco tempo, principalmente se levarmos em conta que público e crítica aprovaram, de maneira geral, a versão sueca. Costume péssimo da indústria norte-americana, ao meu ver. Mas David Fincher e o roteirista Steve Zaillian acertaram quanto a isso: não fizeram um remake, e sim construíram uma nova trama para a adaptação, porque, afinal de contas, ninguém precisa de dois filmes iguais apenas falados em idiomas diferentes.

O filme começa com uma abertura hollywoodiana muito bonita. Trilha sonora, efeitos especiais e uma explosão de objetos e pessoas, se tornando, basicamente, um videoclipe do livro, que inclusive foi lançado antes de estreia oficial, como uma espécie de teaser:

Se, no início da história, percebemos diversos diálogos literalmente chupados do livro, aos poucos, notamos uma maior independência. Esse é o ponto forte da trama. O fato é que a trilogia Millenium apresenta uma narrativa muito forte, que dificilmente seria desinteressante ou ruim de ser vista nos cinemas. A equipe que encabeçou o projeto certamente se aproveitou disso para tentar inovar. O resultado, no entanto, talvez deixe a desejar. Isso porque o enigma em torno de Harriet não apresenta tantas intrigas a ponto de deixar o espectador nervoso. Não há dúvidas de que, visualmente falando, o filme é lindo. Muito menos negar sua qualidade técnica: ele é impecável como a indústria gosta, contudo, fica aquém no enredo.

Por fim, Os homens que não amavam as mulheres concorre ao Oscar na categoria de melhor atriz e apresentou bilheteria de 90 milhões de dólares nos cinemas norte-americanos nas quatro semanas desde sua estreia. Aqui no Brasil, o filme entra em cartaz nos cinemas hoje.