Só recentemente me dei conta de que as obras do gênero fantástico percorreram um longo caminho antes que surgissem os primeiros exemplos de cenários totalmente independentes da nossa história e da nossa realidade. De fato, quando pensamos nas lendas mais antigas, vemos que o cotidiano era essencialmente tradicional e que a magia se mostrava apenas em pequenos nichos, na forma de lugares sagrados (geralmente pouco acessíveis, como o interior de florestas e regiões montanhosas), pessoas misteriosas (especialmente mulheres solteiras que habitavam as ditas florestas) ou entidades – um elfo, um demônio – que surgiam para amedrontar nossos inocentes antepassados.

Talvez pelo monumental sucesso de Tolkien isso tenha deixado de ser a norma, ao passo que “fantasia” foi se tornando sinônimo de mundos em que convivem anões, dragões, mortos-vivos e outras criaturas, todas igualmente ignorantes de quem tenha sido Sócrates ou Gengis Khan. Parece também muito mais fácil, em uma época em que a ciência nos roubou tantos mistérios, tomar o fantástico como um axioma que ter de lidar com dúvidas sobre a aerodinâmica das criaturas aladas ou coisas semelhantes. Mas existe pelo menos um sentindo particular em que as histórias de fronteira, aquelas em que o mundo real e o fantástico coexistem, são mais eficientes: na capacidade de trazer à tona nossos próprios desejos por uma realidade distinta. Nada mais sedutor que ouvir os relatos daqueles que foram capazes de cruzar esses limites. Essa paixão despertada pela fantasia, quase sempre silenciosa, faz parte do cerne de Os Magos, sendo posta em palavras logo nas primeiras páginas como a busca por algo melhor, fora do nosso cotidiano angustiante e confuso.

Para Quentin, personagem principal do livro, essa situação é bem clara. Sua vida não é perfeita, mas ele está longe de ser um órfão obrigado a morar sob o vão da escada. Sua perspectiva, às vésperas de entrar para a faculdade, é de que venha a estudar em alguma escola de primeira linha, siga para um ótimo emprego, com bônus periódicos, cartão de crédito corporativo, etc. Mesmo assim, quando inesperadamente lhe é oferecida a possibilidade de ir para Brakebills, a exclusiva instituição americana para o ensino da magia, ele não hesita em abandonar tudo para se formar um mago.

Nesse sentido, Os Magos mostra também uma inversão da ordem tradicional do enredo de fantasia. Não são necessários mais do que dois capítulos para que Quentin alcance seu maior desejo, saltar para uma realidade mágica. Todo o restante da história, portanto, seria como uma versão do que se passa depois do suspeito “e viveram felizes para sempre”. E a versão de Grossman muitas vezes é brutal (além de não recomendável para menores de 14 anos). Em pouco tempo, Quentin percebe que o que lhe afligia não pode ser simplesmente curado pela magia, como se o seu desejo, uma vez realizado, perdesse todo o encantamento e se revelasse, retrospectivamente, puro engano. No entanto, essa dissolução das ilusões é fundamental e complementa o núcleo e o fluxo de todo o livro. A cada decepção, Quentin busca novas fantasias – e junto dele segue o leitor – apenas para receber em seguida um novo choque de realidade.

Todo esse ciclo se repete em um ritmo acelerado. Concentrando-se apenas nos momentos mais relevantes da vida de Quentin, o livro consegue percorrer um período de aproximadamente sete anos, sendo que quase metade das páginas corresponde à fase pós-Brakebills. Mesmo com tantas referências explícitas a outras obras, como As Crônicas de Nárnia ou Harry Potter, existe bastante originalidade na história, o suficiente para criar cenas antológicas, que dificilmente deixarão a memória do leitor. Além disso, o estilo irreverente de Grossman consegue trazer um ar novo até aos momentos mais convencionais, como no teste de admissão de Quentin, em que o diretor, enfurecido e frustrado com as demonstrações mágicas fracassadas do garoto, passa a forçar os seus dedos para as expressões adequadas, bufando “Assim! Assim!”, sob os olhares constrangidos do resto do corpo docente.

Seria enganoso representar Os Magos quer como uma imitação oportunista, quer como uma sátira do gênero fantástico. Se ele apresenta reflexos de cada uma dessas posições é apenas porque, de um lado, busca ressaltar o que há de mais admirável e cativante no gênero e, por outro, experimenta desconstruir algumas dessas formas de encantamento. Uma leitura reveladora, portanto, para todos que se interessam por esse duplo aspecto e, especialmente, para aqueles que, como Quentin, continuam acreditando que existe algo além do arco-íris.