O começo do século XX é um período em que a literatura passou por certo rebuliço: com alguns anos de distância e com intensidades variadas, as literaturas de diversas nações tiveram autores e obras emblemáticos e que causaram um impacto duradouro, rompendo com grande parte do que se estabelecera como sagrado aos escritores e críticos anteriores.
A Rússia não poderia ser diferente e, de fato, é um dos lugares onde isso se deu de maneira mais enfática. Anton Tchekhov é, indubitavelmente, um dos nomes de maior peso nessa época, o que não significa, porém, que não existissem outros autores dignos de nota. Entre eles encontra-se o pessimista Leonid Adreiev.
Tendo começado a escrever somente aos trinta anos, após um suicídio fracassado, a obra de Andreiev é pintada com matizes sombrios, filtrando a realidade através da decadência e do fracasso – e isso se acentua na sua fase final, após a Revolução.
Com tudo isso em mente, eu já tinha grande curiosidade por conhecê-lo. Soma-se a isso o fato de Euvgeni Yufit, um dos grandes nomes do cinema necrorrealista, citá-lo como única influência e a resenha entusiástica que o Lucas publicou aqui no Meia Palavra, e tornou-se simplesmente impossível ignorá-lo.
Judas Iscariotes é uma coleção de contos em que, além do que empresta o nome ao livro, existem outros cinco: Era uma vez, O nada, O grande slam, Valia e a Máscara.
O conto-título é uma releitura da história do apóstolo que traiu Jesus Cristo sob uma ótica inversa. Andreiev leva o seu leitor a entender Judas e perceber que, talvez, fosse ele quem amasse mais o messias do que qualquer outro, e que se ele agiu maldosamente, é porque todas as pessoas o fazem a todo instante.
Esse cinismo desesperado, essa misantropia disfarçada de tristeza permeiam todos os contos do livro – e atingem o ápice em O nada. Mesmo em contos como Era uma vez, em que parece que há uma luz no fim do túnel, Andreiev aparenta afogar qualquer tentativa de otimismo no patético que há nisso.
Tudo isso em uma linguagem que, apesar de um pouco antiquada, arcaizada (ao menos na tradução, não tive contato com o original), não possui grandes malabarismos estilísticos, mas isso não deixa a narrativa enfraquecida de nenhuma maneira. Quiçá a negatividade da obra perturbe um pouco, mas, aliada à criatividade de Andreiev, é justamente ela o grande trunfo do livro – uma prova cabal do porquê o autor é considerado um dos principais da era de prata da literatura russa.