Já tinha visto a série A dance to the music of time (Uma dança para a música do tempo), do escritor britânico Anthony Powell figurando em algumas listas de melhores livros; e, entusiasta de listas que sou, resolvi experimentar a leitura do primeiro dos doze volumes para ver se decidiria percorrer o resto do caminho. Bem, devo dizer que, se o primeiro volume – A question of upbringing (Uma questão de criação), publicado em 1951 – não me empolgou tanto quanto eu imaginei que ele fosse fazê-lo, é forçoso admitir que ele é um livro que deixa, ao seu desfecho, uma ansiedade por continuar a seguir sua história.

Justiça seja feita: eu tive muitas mediações antes de realmente ir beber no original. Seja pelas listas, seja pelos comentários Internet afora, adentrei no primeiro volume já com muitas expectativas em jogo, e expectativas, sabemos bem, são uma faca de dois gumes. Acho que Powell tem uma narrativa extremamente fluida e mantém uma elegância tipicamente britânica ao tocar em assuntos que querem puxá-lo para o universo do coloquial ou informal. Tudo isso sem se tornar nem enfadonho nem pedante.

Essa característica, aliás, foi motivo para críticas que a ele se dirigiram, pois o “acusaram” de construir uma espécie de “comédia social” que pouco ou nada se voltava para questões cruciais e dramáticas que assolavam a sociedade inglesa da época, em especial suas classes “não-abastadas”. Sua obra, nesse sentido, reflete sua posição social, voltada à alta sociedade inglesa e ainda sentindo o bafejar de uma Belle Époque encarnada nas festividades e elegâncias que integram o cotidiano de seus personagens.

O primeiro volume de A dance to the music of time tem como narrador o jovem estudante Nicholas Jenkins, que conta a história de seus tempos de escola e universidade nos anos 20, onde convivia com seus mais próximos amigos, com os quais divide o quarto, Charles Stringham e Peter Templer. Além desses, outra figura que dá as caras na trama, normalmente com doses de humor, é Kenneth Widmerpool, que parece um daqueles colegiais tipicamente britânicos que aparecem em filmes como A sociedade dos poetas mortos, por exemplo. Ambos habitam uma espécie de pensionato, administrado pelo caricato Le Bas.

Os quatro capítulos que formam o primeiro volume seguem as vidas dos quatro jovens desde os tempos de colégio, sua entrada na universidade e os primeiros passos no mundo adulto: aquela imensidão que se estende para além dos caminhos que eles até então estão acostumadas a palmilhar. Todos os quatro são jovens de classe média alta, e vivem ao longo da trama incidentes vários daqueles que parecem ocorrer aos montes aos jovens que estão prestes a encarar a dura lida e sisudo modus vivendi do mundo adulto.

A question of upbringing, ao narrar o cotidiano desses jovens, tem toda aquela energia que parece emanar dos anos 20, quando o século era jovem e o horizonte de perspectivas parecia bem mais amplo. Talvez esse primeiro volume tenha algo de bildungsroman, só que a formação, nesse caso, se deu sem um batismo de fogo, talvez abafado que esse foi pela típica fleuma inglesa, mais preocupada com expedientes tradicionais do que experiências viscerais transcendentes.

Olhando de forma panorâmica e contrapondo início e fim do livro, se percebe como os personagens evoluíram ao longo do livro, e como foram aos poucos, se inserindo dentro de diferentes lugares na sociedade inglesa. As viagens de Nicholas, visitando a família de Stringham e o estranho cotidiano da casa de Templer, bem como sua estada na França para aperfeiçoar seu uso da língua, são todas partes constituintes de uma narrativa lógica, encadeada para nos introduzir aos personagens que seguirão suas caminhadas nos próximos livros. Numa visão geral, pode parecer que A question of upbringing não é nada mais do que uma narrativa pura e simples, mas suas pequenas lições, as que Nicholas aprendeu ao longo do tempo narrado, estão esparsamente alocadas, e são destiladas aos poucos, conforme os eventos narrados vão lhes ensejando.

A subjacência é o palco oculto onde a dança do tempo acontece. Poucas são as referências diretas ao tempo, mas como instância formadora de nós – seres conscientes de sua existência e de sua inexorável passagem – ele está lá, manifesto nas singelas aventuras e eventos que constituem tanto a narrativa de Nicholas como sua própria experiência de crescimento.

O tom mais descontraído do primeiro volume, suponho eu, irá se tornar mais sério com o passar do tempo, como parece anunciar o desfecho do livro. Nesse, a vida universitária dos quatro companheiros, com liberdade o suficiente para dá-los espaço para algumas aventuras, vai se esvaindo como a areia de uma ampulheta, dando lugar às cobranças de um mundo “lá fora”, que urge sua responsabilidade por sobre os atos e os compromissos que eles são compelidos a assumir. Essa talvez seja a metáfora adequada para A dance to the music of time, pelo menos a essa altura de minha leitura (provavelmente muito cedo ainda, mas vá lá): os grãos de areia da ampulheta vão caindo um a um, mais devagar ou mais rapidamente, com a cadência da narrativa de Nicholas.