Pearl Sydenstricker Buck nasceu nos Estados Unidos, mas antes de completar um ano de vida foi morar com os pais na China. Lá construiu sua vida durante bom tempo, e, depois de algumas idas e vindas feitas de passeios e mudanças, veio a se estabelecer, após um divórcio, na sua terra natal. Embora A boa terra, seu mais célebre romance, tenha sido publicado antes de sua ida aos Estados Unidos (ocorrida em 1934); e que os personagens de seu livro sejam inspirados nos sujeitos com os quais ela travava contato diariamente na China, seu enredo guarda mais semelhanças com a situação agrícola estadunidense do que pode parecer à primeira vista.
A boa terra foi o livro de ficção mais vendido nos Estados Unidos nos anos de 1931 e 1932. Isso não é uma marca alcançada à toa, há um significado maior concorrendo para seu sucesso e a calorosa acolhida. O livro representou para a autora, inclusive, um grande passo para a láurea que viria em 1938, o Prêmio Nobel de Literatura.
O romance em questão conta a história de Wang Lung e O-Lan. Essa era uma escrava na casa de um sujeito abastado da região onde moravam, aquele um pequeno proprietário de terra que vivia com o pai numa típica vida agrícola. Logo no início do livro os dois se casam e passam a habitar no campo, vivendo dos frutos da boa terra da China.
A vida camponesa que eles levavam, entretanto, estava longe de ser um idílio. Pelo menos estava longe de ser um idílio permanente. Se são várias as passagens em que as descrições de Pearl Buck retratam uma espécie de paraíso rural, esse paraíso está sendo constantemente acossado por elementos estranhos, sejam eles a avareza de algum proprietário vizinho, as forças da natureza – manifestas em secas, chuvas exageradas, tempestades de pó e frustrações de colheita – ou as próprias mudanças na sociedade chinesa.
Curiosamente (ou não), a situação dos Lung encontra milhares de paralelos na sociedade estadunidense. Vale lembrar a quantidade de livros retratando um processo muito semelhante, que sobreveio aos pequenos proprietários americanos, principalmente aqueles da porção oeste do país. John Steinbeck, John dos Passos, Erskine Caldwell, Frank Norris são alguns dos autores que se ocuparam, assim como Pearl Buck, em retratar o drama vivenciado cotidianamente por essas famílias.
Wang Lung engrossa as fileiras do êxodo rural, deixa sua terra pela insuficiência de seus rendimentos e passa a exercer funções precárias em meio às atulhadas ruas de uma cidade ao sul da China. A situação de penúria enfrentada por ele e sua família é tão revoltante quanto tocante.
Uma combinação de acaso e sorte leva Wang Lung e sua família de volta à terra posteriormente, mas aí os tempos são outros. Wang Lung experimenta, ao contrário de muitos outros, os ventos da prosperidade, que se manifestam no aumento de sua propriedade e de seus lucros. Ele se torna, numa virada irônica, aquele a quem desprezava. Pearl Buck manipula a história de uma maneira deveras talentosa.
A geração que sucedeu a de Wang Lung é movida por outros interesses, e sua lógica se orienta por parâmetros distintos. Essa mudança é pungente, pois aquele paraíso rural de outrora fora ferido pelo pecado original da cobiça, e teve sua ordem subvertida. Pearl Buck explora esse processo, revelando o germe da tragédia presente nessas transformações. A maneira como as trajetórias individuais vão ensejando “amarrações” macro e como essas vão se entranhando no universo individual são expressões do mérito dessa autora.
A partir disso talvez seja possível compreender melhor o sucesso que fez A boa terra em terras estadunidenses. A afinidade temática e a solidariedade sedenta de justiça que move a autora encontraram solo fértil no imaginário americano da década de 30, assolado pela falência dos áureos sonhos dos anos 20, fazendo do romance um interessante e peculiar exemplo de especificidade e universalidade andando juntas.