Figura ainda não muito promovida entre leitores brasileiros de poesia, Mário Faustino (1930-1962) foi um poeta, tradutor e crítico piauiense que teve papel muito relevante na década de 1950 no meio literário carioca e nacional. Foi relevante apesar de só ter publicado um livro em vida, O homem e sua hora (1955), que compila menos da metade de sua produção poética. O volume publicado em formato de bolso pela Companhia das Letras em 2009, que resenho agora, trata de reparar este erro histórico que é nos limitarmos ao título anterior quando nos referimos a Faustino, isso quando nos referimos a ele. Além de O homem e sua hora, essa nova edição traz os fragmentos de uma obra que o poeta escrevia progressivamente desde 1958, outros poemas esparsos (e inéditos) e dois textos introdutórios interessantes sobre o autor.

De qualquer maneira, o que temos nesse volume não somente uma comprovação do que geralmente se fala da obra de Faustino, de que tinha influência poundiana (ou seja, seguidor de Ezra Pound) e que era semelhante ao Concretismo. Realmente, há muito de Pound e do paideuma concreto na composição poética de Faustino, mas não podemos resumi-lo a isso e pronto. Se nos determos especialmente em O homem e sua hora, não vemos quase nada do que poderia ser essencialmente concretista. O fato é que Faustino não pretendia criar uma ruptura grande na trajetória poética nacional nem ditar o que deveria ser a poesia de seu tempo. Seus interesses eram expor ao público a variedade que a literatura oferecia ao leitor através de sua crítica no jornal e tentar trabalhar com tradição e inovação ao mesmo tempo em sua poesia.

Esse conflito entre as formas já estabelecidas na poesia (soneto, épica, métrica) e o que a vanguarda lhe oferecia (verso livre, exploração visual da página) é evidente em seus poemas. Quem talvez leia somente O homem e sua hora, a primeira parte dessa reedição, pode não ter ideia disso, mas se a compararmos com os fragmentos da obra em progresso ou com muitos dos poemas esparsos e inéditos fica claro que Faustino tinha muita noção da matéria com qual lidava e justamente por isso queria explorá-la em toda sua variedade atrás de sua identidade autoral. Nesse sentido, podemos entendê-lo muito bem como “poundiano”, já que parece estar a todo tempo pensando na ideia do “make it new”, de transformar a tradição em inovação. Para se entender melhor esse dilema, selecionei dois trechos de poemas distintos: a primeira estrofe do poema “Vigília” e o início do quinto fragmento da obra em progresso:

Nasce do solo sono uma armadilha

Das feras do irreal para as do ser

– Unicórnios investem contra o Rei.

[…]

 

Forma: pira distante.

Susto: as ilhas ardendo.

Resto: oceano deserto,

silêncio côncavo – rasto, espuma, via,

mundo em suspenso, hum’ave, um homem-há-de pronunciá-la.

[…]

No primeiro poema temos uma estrutura em estrofes, metrificada em decassílabos e com rimas mais adiante, enquanto que no segundo temos uma forma mais experimental, nem metrificada nem rimada, em que há certa exploração formal, morfossintática. Poderia se dizer até que não são do mesmo autor, mas são. Nada surpreendente, afinal, como já foi dito, a obra de Faustino, cuja quantidade de poemas é pequena devido à curta vida do poeta, é muito variada se for comparada em si mesma.

Para além dos aspectos formais dos textos, é perceptível nos trechos selecionados o isolamento do eu-lírico em relação ao mundo, sentindo-se em “sua hora”, isolado nesse “mundo em suspenso” em que real e irreal podem conviver, bem como vida e morte, ou melhor: amor e morte. Faustino lida com essas tensões dissonantes em sua poesia, como se quisesse compreender as relações que se dão entre sentimentos tão opostos em uma mesma situação. Certamente há muito ainda para se entender nesse poeta que merece a leitura do público em geral bem como a dos estudiosos da literatura.