24 de outubro de 1929. Até o final desse dia, essa data passaria a ser conhecida como a quinta-feira negra. Esse foi o fatídico dia em que a Bolsa de Valores de Nova York quebrou, o famoso crack que marcou o início da chamada Crise de 29 ou a Grande Depressão dos Anos 30. Mas o que essa crise econômica representou, cotidianamente, para as pessoas que não eram acionistas, empresários ou donos de grandes corporações?

O resumo dos livros didáticos não nos possibilita vislumbrar os desdobramentos mais perversos  e  calamitosos dessa crise. Acostumamo-nos, muitas vezes, a ver esse processo de cima, longinquamente, de forma técnica, através de termos técnicos e conceitos econômicos, o que deixa de lado uma parte considerável e importante dos efeitos da superprodução: o impacto cotidiano, nas populações que já não eram favorecidos antes dacrise, e que, após a quinta-feira negra, só viram suas condições piorarem.

É nesse clima de contradições lamurientas e de extrema penúria que John Steinbeck, desde 1936 construiu a história da família Joad, que saiu sob o título de As vinhas da ira, em 1939. O romance retrata com maestria e uma sensibilidade profunda as adversidades da vida de uma família de Oklahoma que, expropriada de suas terras e substituídas por tratores e máquinas agrícolas, se vê obrigado a migrar para as terras da promessa da Califórnia, passando nesse ínterim pelas mais lastimáveis situações de miséria.

A região centro-sul dos Estados Unidos, de 1930 a 1935, foi assolada pelos chamadas dust bowls, assustadoras tempestades de areia que destruíram grande parte da produção agrícola e complicou mais ainda a situação dos arrendatários e meeiros que habitavam aquelas terras. Esse é um dos pontos marcantes do livro, pois a poeira é uma constante durante toda a trama, se você fechar o livro batendo-o, certamente vai levantar pó, tamanha a recorrência desse elemento na obra. E ele tem um efeito metafórico também, pois ele acentua a aridez e as agruras da vida dos Joad.

O romance é uma verdadeira odisséia pelas entranhas mais virulentas e perversas da Crise de 29, é uma saga dos desafortunados e empobrecidos ao lado da igualmente empobrecida gente que enche as hoovervilles de beira de estrada e que se avolumam perigosamente sobre caminhonetes e caminhões pela rota 66 em busca de trabalho e melhores condições de vida.

Steinbeck, que nascera em Salinas, na Califórnia, viveu em sua infância a dura vida dos trabalhadores agrícolas e viveu ele também, enquanto repórter, entre os acampados e habitantes das hoovervilles, e justamente de uma matéria cuja investigação ficara a sua incumbência é que surgiu a trama e a inspiração de As vinhas da ira.

Extrapolando aquela visão panorâmica da crise e da espinhosa recuperação econômica, Steinbeck faz o leitor mergulhar no dia-a-dia das populações que sentiram talvez de maneira mais dura os efeitos da crise econômica. Uma leitura realista e contundente da maior crise financeiro/econômica que o mundo já viu: frutas deixadas para apodrecer nas lavouras pois seu preço não pagava nem a mão de obra da colheita, fome, doenças e miséria na beira da rota 66, famílias com futuros incertos, indefinidos, com condições quase insuficientes para subsistir. Se não bastasse a infausta trajetória dos Joad, Steinbeck coroa a saga com um desfecho que é um verdadeiro soco no estômago, daqueles que você volta e lê novamente por não acreditar no que acabou de ler.