A Grande Depressão norte-americana foi tema para uma porção de escritores, não só porque foi, de fato, um evento avassalador na história daquele país – e, em alguma medida, de todo o mundo – mas também por ter ocorrido logo após um período de crescimento econômico cheio de promessas e esperanças, os anos 20. Esse contraste fez com que os anos 30 aparecessem com feições ainda mais cruéis do que parecia atestar a realidade.

Horace McCoy retratou o período à sua maneira. No livro Mas não se matam cavalos? ele constrói uma situação no mínimo pitoresca para ilustrar um dos efeitos da crise na vida de vários sujeitos que participavam de uma maratona de dança, em especial o casal protagonista, Robert Syverten e Gloria Beatty.

A trama se concentra em torno dos casais da maratona, cuja duração é simplesmente incrível. O que os move é, além do prêmio em dinheiro, as refeições que são oferecidas gratuitamente durante o evento. Desse modo, a maratona de dança se apresenta como uma boa oportunidade de cortar gastos num momento em que urge gastar o mínimo possível, afinal, vive-se uma crise econômica abissal.

Não bastasse o insólito aviltante que é a maratona, os casais acabam por se tornar uma espécie de atração circense, servindo de meio para o organizador do evento ganhar dinheiro e visibilidade. Mesmo patrocinadores arranjam uma forma de tirar um naco desse bolo, colocando propagandas suas nas roupas dos competidores. É um espetáculo tão trágico quanto ridículo.

O organizador do evento chega a promover corridas nas quais os casais devem, unidos, completar o circuito à frente dos demais para não serem eliminados. As corridas são, inclusive, chamadas de derbies, ou seja, há uma linha tênue separando esses sujeitos de se tornarem animais.

Nos anos 30 entrelaçavam-se a miséria real e os sonhos hollywoodianos, as condições precárias e as aspirações áureas que persistiam dos “loucos anos 20”. Gloria alimenta o desejo de se tornar atriz famosa, Robert o de ser um diretor de renome, ao mesmo tempo em que se veem às voltas com sua condição existencial extremamente precária. O descompasso entre sua vida real e suas aspirações é um dos ingredientes que faz da história um misto de pena e ingenuidade.

Um dos motivos que faz o livro ser interessante é a forma como McCoy nos conta a história de Robert e Gloria. No início do livro ele nos conta o que é, na verdade, o desfecho dela, de modo que o livro se passa em flashback, com Robert nos relatando como foi que a situação chegou até àquela cena que aparece logo no começo do livro.

Não bastasse isso, McCoy faz toda a história ser contada enquanto a sentença de Robert é proferida. Há um fragmento de sentença entre cada um dos capítulos, fazendo com que tanto a história quanto a sentença sejam finalizadas ao mesmo tempo, amarrando todas as pontas do enredo num clímax deveras pungente. A frase final da sentença é um verdadeiro epitáfio “…e que Deus tenha piedade de sua alma.” (p. 131)

Ao atirar-nos de antemão nos eventos que levaram Robert a ser julgado, McCoy joga com nossas próprias opiniões a respeito dele, ao passo que procura contorná-las a partir da explanação da trama que o antecedeu. Ao fazê-lo, ele nos põe em contato com outro lado da história, nos fazendo repensar e ver como a lógica que orienta a vida e os atos das pessoas está longe de ser algo simples ou perceptível à primeira vista.

Mas não se matam cavalos? não é uma obra-prima, mas está longe de ser um livro ordinário, pois suas experimentações e seu trato das questões que se propõe a abordar possuem uma força que não costuma grassar no universo do medíocre.