O chileno Alejandro Zambra tem sido apontado como um dos grandes nomes da nova geração de escritores de língua espanhola e, a depender da recepção que Bonsai, o primeiro de seus romances, teve por aqui, não serão os brasileiros a discordar. Logo que foi lançado no Brasil, em maio deste ano, o livro atraiu a atenção geral do meio literário, com avaliações que penderam largamente para o campo positivo (confira as resenhas da Taize, da Anica e do Palazo). Mesmo o pequeno tamanho – não mais de 100 páginas na edição produzida pela Cosac Naify – se converteu em motivo de admiração. Nas palavras da Taize: “Bonsai é uma prova de que tamanho não caracteriza qualidade, que uma história breve pode ser tão reveladora, encantadora e complexa quanto um romance de 500 páginas”.

Zambra possui ainda dois livros de poesia publicados (Bahía Inútil e Mudanza), uma coletânea de ensaios (No leer) e outros dois romances (La vida privada de los árboles e Formas de volver a casa), todos ainda inéditos em português. É também doutor em literatura, sendo atualmente professor na Universidad Diego Portales. Em julho ele esteve no Brasil para a Flip, onde participou da mesa Apenas Literatura, com o renomado escritor espanhol Enrique Vila-Matas. E hoje ele retorna ao país para reforçar a programação jovem da Bienal de São Paulo, onde fala sobre “Amor que dá certo e amor que dá errado” com João Jardim e Tatiana Salem Levy.

Quando esteve em Paraty, o escritor nos recebeu para uma breve entrevista, em que falou sobre Bonsai, sobre sua relação com a poesia e o trabalho acadêmico e outras questões literárias.

[Meia Palavra] O Sr. disse, na mesa com Enrique Vila-Matas, que é tímido. O que o motiva a enfrentar essa timidez, vir a um evento como a Flip e lidar com toda essa exposição?

[Alejandro Zambra] Eu bebo muito nessas ocasiões. Para mim, a semana já está ruindo… Mas, mentira, não sou tão tímido. Dou aula há dez anos. Já não sou tão tímido. Já não posso ser tão tímido como antes. Me acostumei a falar em público. Acho que sou mais tímido em privado do que em público. Como se em público houvesse uma personagem que se pode encarnar.

[MP] Bonsai, especificamente a edição que foi publicada aqui pela Cosac Naify, foi bastante comentado não só pelo excelente texto, mas também pela produção gráfica. O que o Sr. achou da produção gráfica brasileira?

[AZ] Sim, gostei muito da produção. Acho que ela carrega muito significado. É um pouco o gesto que propunha o livro, não? Recortar a tradição do romance e deixá-lo com o essencial. E nesse sentido acho que o desenho interpreta bem o propósito do livro.

[MP] Já ouvi dizer que algumas pessoas compraram dois, um para guardar inteiro e outro para recortar.

[AZ] O que passou comigo é que quando chegaram os exemplares no Chile, dois exemplares, ou um exemplar no Chile, só de mostrá-lo, todos meus amigos o queriam, e se fosse por mim, teria vários para esse grupo.

[MP] Quanto à forma concisa de Bonsai, quanto ao estilo de Bonsai, esse podar das palavras é um estilo que o Sr. utiliza nos outros livros que ainda não foram publicados no Brasil, La vida privada de los árboles e o Formas de volver a casa? É uma proposta que tem para si em geral ou é uma característica de Bonsai?

[AZ] Sim, no momento em que saiu Bonsai era algo que tinha a ver somente com esse livro, mas creio que tenha se projetado no livro seguinte, modificando-se também, não da mesma maneira. Cada livro, creio, é… uma espécie de reinvenção. Inclusive, por isso crio outro livro… porque o anterior não basta.

[MP] Quanto ao trabalho com a poesia, o Sr. acha que ele influenciou nessa maneira como escreve romances?

[AZ] Sim, sim. Para mim foi muito importante a poesia e continua sendo. E sobretudo o que ela tem de precisão. Interessa-me muito a precisão.

[MP] E o Sr. continua produzindo poesia?

[AZ] Sim.

[MP] Mais romance do que poesia ou mais ou menos em iguais proporções?

[AZ]Escrevo poesia, mas não a publico já faz vários anos, mais de dez anos. Não sei muito bem por que, creio que não me tenha saído nada muito bom… Mas me interessa muito a poesia. E escrevo sempre.

[MP] Numa entrevista que deu em São Paulo, o escritor Valter Hugo Mãe comentou que se afastou da poesia porque se sentia mais exposto nela. O Sr. acha que isso se aplica também de alguma maneira ao seu caso?

[AZ] Creio que sempre se está exposto. E que a poesia não necessariamente expõe mais… O romance também pode expor… Tanto na poesia como no romance há máscaras. E, claro, talvez isso vá mudando com os anos.

[MP] Mas o momento que o Sr. pensou em escrever romances foi uma coisa espontânea?

[AZ] Foi natural, foi natural. Ou involuntário. Mas foi natural. Aconteceu que aquilo que eu buscava fazer em poesia não dava resultado como poesia e então tentei de outra maneira, de outra forma.

[MP] O escritor Jonathan Franzen, na entrevista que deu aqui em Paraty, quando lhe perguntaram por que escrevia tanto sobre famílias infelizes, disse que os escritores exageram e acabam pulando os anos bons e se concentrando nos anos ruins. No seu livro também se diz que “esta é uma história leve que se torna pesada”. O Sr. acha que é uma necessidade essa do escritor de se concentrar nos momentos tristes?

[AZ]Não sei, talvez… talvez sim. É um lugar comum que há mais literatura na dor. Creio que, para além disso, o mais interessante é que a literatura consegue captar uma certa complexidade. Então talvez os momentos de infelicidade sejam um pouco mais complexos, apesar de que, por outro lado, seja difícil colocar em palavras a felicidade sem que ela soe como uma bobagem. Acredito que a literatura nos traz a complexidade do mundo, das situações, dos sentimentos e que nunca simplifica, nunca simplifica.

[MP] Quanto ao trabalho como acadêmico, de que maneira o Sr. acha que esse conhecimento mais técnico, mais analítico da literatura, atrapalha o seu trabalho como escritor?

[AZ]Não, acho que não. Não porque também depende do tipo de aproximação que temos com a literatura em geral. Não sei. Creio que ao estudar a literatura é muito importante… a criação… não sei. Talvez seja um problema que a universidade esteja cheia de acadêmicos que não saibam fazer um soneto, por exemplo. Ser professor, estudar um soneto, é primeiramente saber como escrevê-lo. Mesmo quando não seja um poeta. Saberá como estão feitas as coisas. Então creio que depende muito de como se encara. Se alguém é obrigado a praticamente mudar de personalidade, dependendo se está escrevendo ou lendo ou ensinando, sim, aí há um problema, porque não deveria ser assim. Gosto de pensar que há uma mudança de ênfase, mas que se está falando da mesma coisa. Eu não vejo como uma rivalidade, nunca o entendi assim.

[MP] O Sr. acha então que na verdade ajuda conhecer os dois lados, conseguir ver também pelo lado do escritor?

[AZ] Claro, é a mesma coisa quando dizem se a leitura deve se concentrar no texto, na recepção ou na produção. Creio que a leitura não deveria reconhecer nenhum esquema, nenhuma tipologia. Um leitor na hora de analisar um texto deve considerar tudo, toda a sua complexidade.

[MP] Tanto no Brasil quanto no Chile as gerações tiveram que lidar com uma situação política conturbada, que já é uma coisa menos presente nas nossas gerações. E dificilmente um romance sobre a juventude para essas gerações escaparia dessas situações políticas, que é uma coisa que não aparece em Bonsai, uma questão política. O Sr. acha que hoje em dia há espaço para política na literatura ou ela acabou se desvinculando um pouco pela mudança dos tempos?

[AZ]Sim, creio que sim. Há um substrato político em Bonsai, mas não vou discutir isso. Mas meu último romance, Formas de volver a casa, é um romance sobre a ditadura. Sobre como vivíamos a ditadura quando éramos crianças, como crescemos nesse mundo. Eu nasci na ditadura. Não posso falar de minha vida sem falar disso. Não creio que há um tema obrigatório ou vetado, e, entenda-se, quando proibimos ou obrigamos a dizer algo estamos caindo na mesma impostura. Um livro, um romance, não tem porque falar ou não falar disso ou daquilo, ou de todos os temas. Em particular, creio que há política em qualquer livro, seja como algo sutil ou explicito, de forma muito óbvia ou de forma tácita. Mas para mim este é um romance sobre os anos 1990, que é um período muito singular no Chile, quando se tinha acabado de voltar à democracia e insistia-se de que a história tinha acabado e que estava tudo bem. E que seguíamos buscando, buscando, ainda que se dissesse aos gritos que não havia nada que buscar. O romance trata um pouco disso. E o último, claro, é mais político, mas tampouco é só um romance de ditadura. É um romance sobre pais e filhos e se concentra nesse tempo, nos anos 1980.

[MP] Para finalizar, gostaríamos de pedir que o Sr. participasse de um costume do Meia Palavra e respondesse uma meia pergunta, pode ser?

[AZ] Sim.

[MP] Uma história de amor é…

[AZ] Uma história de amor… Uma história de amor é a metade de uma história de amor.

Colaboraram nesta entrevista Gigio, Kika e Tiago Pinheiro.