A história de Israel, o Estado, não é nem um pouco “misteriosa”. Após a sua criação os conflitos ganham destaques em manchetes internacionais sempre que possível – até mais do que os acordos de paz – e creio que muita gente, quando nova, ouviu falar da Faixa de Gaza sem saber o que era exatamente. Amós Oz cresceu na recém-criada nação judaica, ainda Palestina, onde as esperanças eram de uma independência total de qualquer outra potência, no caso a Inglaterra toda-poderosa da época; de grandes sonhos de redenção, mas de frustrações que atormentariam os anos seguintes. Apesar de anos lutando como um fanático na Guerra dos Seis Dias e na de Yom Kippur, Oz procurou na literatura um refúgio para desmembrar esse fanatismo que adquiriu quando menino. O monte do Mau Conselho é resultado das reflexões de sua infância com toque de um humor inocente e ácido somado ao silencioso, mas crescente, conflito prestes a eclodir naquela terra com diversos reivindicadores de sua propriedade.

O livro é interligado por três novelas que misturam autobiografia e invenções literárias do autor. A primeira parte leva o título de toda a obra e nela somos apresentados ao jovem Hilel, garoto gordo e asmático, que vê o mundo com certa inocência: não entende muito dos conflitos, mas nutre uma paixão cega e doentia por sua religião e pela segurança de todos de que gosta (o que para ele está tudo conectado). É também um observador arguto do cotidiano dentro do seu bairro e consegue elaborar, de maneira clara, pensamentos mais profundos (“A vida é uma roda. Todos ficam dando voltas”) do que os adultos a sua volta, todos retratados como fracassados. Rute, sua mãe, fugiu da Polônia e veio para o novo estado com os mesmos sonhos que todos os refugiados, e após grande tempo relutando, entrega-se ao sonho de mudar para a América. O pai é um veterinário fracassado que alimenta fantasias bucólicas para conseguir se realizar como um filho autêntico de Israel.

Sim. Sonhos e mais sonhos. Não chegam a ser ambições, são apenas fantasias que são destruídas pela realidade e a fuga não é a solução. Depois de tanto fugirem, os personagens precisam enfrentar o que é real e parar de acreditar que um dia serão livres. Não são prisioneiros de campos de concentração, mas ainda vítimas da política que assombra o estado que lhes foi dado. Uma importante alegoria é apresentada por Oz quando o pai de Hilel “salva” a esposa de um oficial britânico, por se apresentar como médico sem especificar que era um veterinário, e recebe a “honra” de ir à festa de Maio, no Monte do Mau Conselho.  Esse convite comove seus vizinhos e familiares, todos querem mandar algum recado, todos querem clamar pela liberdade.

Mas se a terra é deles, por que pedir a liberdade e não a exigir? Nessa parte entra o taciturno e malcheiroso Mítia, que muitos acreditam ser um espião, fazendo pedidos ao pai de Hilel para entregar um recado ao alto-comissário britânico e declamando um discurso inflamado sobre o futuro do povo de Israel – alegorizando a alegoria, ou seja, colocando os personagens da vida do jovem garoto em um grande discurso metafórico sobre liberdade e traição.

Em “O senhor Levy” as descobertas são mais fortes. A sexualidade, pouco explorada por Hilel, é um ponto chave nessa narrativa em que acompanhamos o jovem Uri. Diferente do primeiro protagonista, o garoto mostra uma valentia ímpar e extrema convicção de que é, literalmente, o salvador da pátria – ainda em formação, como dito anteriormente. Outro elemento muito faz lembrar a primeira parte, aqui Uri é amigo de Efraim, outro fanático que pretende, não através de discursos ou recados, mas de sua habilidade, acabar com o Reino Unido com seu raio mortal. O bullying e maus-tratos, sofridos pelos protagonistas das duas primeiras histórias, são um incômodo pequeno e relevante para adicionar peso nessas narrativas. Se não houvesse o humor-chave durante essas passagens, não nos chocaríamos tanto com a triste realidade dessa Israel apresentada por Amós Oz: esperançosa e aflita.

Como se não bastasse, O monte do Mau Conselho é finalizado com uma novela totalmente narrada por cartas do Dr. Nussbaum, intitulada “Saudades”. Entre sua condição enferma e sua total crença de que uma guerra iminente será iniciada pelos árabes, mesmo espelhando-se na sua amizade com o Dr. Mahdi, o personagem escreve para Mina, a amante da qual ele não sabe a localização. O doutor ainda discorre sobre sua total angústia de que nenhum judeu é bem-vindo em nenhuma parte do mundo e que a Europa os expurgou para esse estado fantasia. Mais uma vez, eles foram vítimas de uma propaganda.

Publicado pela primeira vez em 1976, esse exemplar permanece como um retrato vivo, e atual, dos conflitos testemunhados por Amós Oz em sua infância e adolescência por uma óptica humana e um pouco airosa até. Fanatismo, sonhos, frustrações e a realidade misturavam-se, aparentando ser, ao mesmo tempo, a mesma coisa e um bem certo – e todos julgam estar certos.

OZ, Amós. O Monte do Mau Conselho. Companhia das Letras, 2011. Tradução: Paulo Geiger. 276 págs. Preço sugerido: R$43,00 (impresso), R$30,00 (ebook).