O Posfácio foi lançado e eu nem pude ir pra festa. O Pips falou que ia ficar tudo bem se eu voltasse da viagem com uma música, um filme e um livro na bagagem. Não foi difícil: ele sabe que (1) eu tenho TOC e (2) gosto do número 3. O texto é longo e as partes são independentes: você pode ler duas hoje e outro dia a última; ou ler só a parte dois e ficar de boa; ou… enfim, você sabe o que fazer. Voa, pequeno gafanhoto!

A parte 1 é sobre amor e é umbiguista: pra quem não me conhece (ou me conhece, mas não acha que sou lá isso tudo que o povo fala) (ou simplesmente não tem saco pra blog, que isso é coisa de adolescente) (ou não entende como é que tem gente que prefere cupcakes a bolo de verdade), talvez não seja interessante. Pule uma casa e seja feliz! A parte 2 é sobre o projeto Amores Expressos e sobre como Recife é maior do que qualquer sinopse que eu faça. A parte 3 é sobre duas cidades. E sobre a briga da ficção com a não ficção. E sobre procurar o seu lugar.

E, se alguém tiver problema com o título, um aviso: é desse jeito mesmo. O Word também tá me avisando pra colocar um “me” antes de “lembrei”, mas eu não vou fazer isso, não.

(Ah, e boa leitura, viu? ^^)


1. Amor ou: E apôi?

O título da história é Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb. Praticamente isso: é só trocar “Bomb” por “2013”. 2013 era (é ainda, poxa) uma incógnita. E 26 anos é uma idade estranha de se ter; não é nem de longe um número tão legal quanto os últimos cinco: 21 – maioridade legal nos EUA; 22 – dois patinhos na lagoa; 23 – um número maldito; 24 – o ano do perigo; 25 – um quarto de século. O alinhamento desses dois números, em conjunto com a viagem à minha terra natal, provocou-me alguns ataques de ansiedade. Pois, afinal, o quanto você muda em 4 anos? Qual a possibilidade de continuarem reconhecendo o Tuca de sempre, quando você tem certeza de que não existe essa coisa de “o Tuca de sempre”?

Esta é uma história de amor. E medo. Medo, sobretudo, por conta das inevitáveis comparações. 2013 tem de comer muito feijão para se comparar a 2012, o ponto alto da sequência iniciada em 2009 – uma sequência próxima do que o Barney conseguiu com seu Get Psyched Mix. Medo, também, dessa distância toda – é, o tempo não é o único visitante cruel e canalha.

Daí, a gente para e pensa: não na lagosta; mas, sim, no Lenine. Lá vem ele, dançandando (nobody moves like Lenine) e cantexclamando: “Isso é só o começo”. E aí vi: não é que é isso mesmo? E lembrei que tudo é uma questão de manter (1) a mente quieta, (2) a espinha ereta e (3) o coração tranquilo. E parti para Recife. E o que é que encontro por lá? Já no aeroporto, uma festa. Balões, chapéus engraçados, algazarra. Como é que eu pude ficar 4 anos longe disso?

Pequenas notas:

* De toda a minha família do coração, que é enorme e querida, o destaque vai para os meus tios-quase-pais que atendem pelos nomes de Fernando e Evanderly. Não só me senti sobrinho-quase-filho (aliás, é sempre assim), como também me senti parte da família gigante da dona Jura, a matriarca mais legal de todos os tempos. Nunca tinha passado um Natal (a data comemorativa, não a cidade) como aquele.

* Em um mês, comi mais tic-tac de laranja do que o Michael Cera durante todas as gravações de Juno.

* Muito bom rever a família em Natal (a cidade, dessa vez, não a data comemorativa). Rever os tios; sair com as primas pela orla da cidade e ver o que a ressaca fez com os calçadões de Ponta Negra; comer jambo (ou melhor, jambri!) e camarão e pesto de manjericão e autêntica comida nordestina até me empanturrar; descobrir a cadelinha chitzu frugívora dos tios; conhecer melhor Pipa e conversar um tempão com o primo que não revia há muito tempo; rever os avós…

* Acho que me apaixonei. Ou quase isso. Ou mais do que. Mas, isso, não conto. Ou melhor: só digo que parecia música da Marisa Monte. Fui chamado de fofo e descobri que nem sou “tão tímido assim”.

* Outro destaque especial: rever minha tia Rejane – a nêga mais bonita que eu conheço. A gente comeu comida chinesa, minha mãe deu brincos pra ela e eu comprei cupcakes. Ela manda sms: “Os doces são escandalosos de saborosos. Coloquei meu óculos rosa para ver a delicadeza dos brincos. Amei tudo. Obrigada a todos vocês pelo carinho. Bjos”. Eu a via pela janela do carro (ainda lá em Pau Amarelo) e a saudade já batia; tentei me controlar pra não chorar, só pra ela poder ver por mais um minutinho os cílios enormes do sobrinho. Mas não me controlei pelos 20 quilômetros de volta pra Recife: “Oxe, tia. Já estou com saudade. 🙂 Amanhã vou no shopping provar um deles. Ou um de cada! Hahaha”. E ela: “Faça isso! E, se engordar, já sabe: é só dar uma malhadinha que passa”.

Acho que é isso.

2013 não vai ser o ano em que passeei por Paris com a Bárbara, a Flávia e o Thiago. Não vai ser o ano em que encontrei pela primeira vez a Raq, a Diana, a Dindi, a Izze, o Gigio, a Tay, o Carlos, o Alex. Muito menos o ano da minha primeira FLIP ou o ano em que comecei o mestrado. Taí: também não vai ser o ano em que li Ulysses nem aquele em que virei the only Tuca in the world, no final das contas.

Mas, em compensação, 2013 vai ser o ano em que vou rever a Raq, a Dindi, a Diana, a Tay, o Gigio, o Dan, o Tony e o Pips, em Sampa; a Izze, em Paraty; o Alex e a Bárbara, no Rio – o Carlos, ufa, esse eu posso rever toda semana. Vai ser o ano em que vou voltar pra FLIP. Foi o ano em que aprendi a voar ao errar o chão. Talvez seja o ano em que vou conhecer Buenos Aires. Já foi o ano do melhor desaniversário de todos os tempos! E vai ser o ano de uma vida escandalosa de saborosa, como bem disse minha tia – e, pelo menos, posso garantir que os cupcakes da festa de desaniversário estavam assim, desse jeitinho mesmo.

E, finalmente, o que mais quero e espero: vai ser o ano em que escrevi meu primeiro livro.

2. Amores expressos ou: Deixe de peitica, deixe de embromar, deixe de leseira e… mãos à obra.

Parte da necessidade de viajar pra Recife era em razão de pesquisas literárias. A “historinha” já estava meio pronta na cabeça – tanto quanto se pode dizer que uma história sobre vagar e passear e se perder numa cidade está “pronta” – mas eu precisava andar por lá para lembrar-me daquelas coisinhas que – sabe? – só estando lá mesmo pra vê-las. Tipo coração de nego – também chamado de catinga-de-porco e ginjeira-da-terra, em Pernambuco. Tipo jambo.

No entanto, alguém pode se perguntar: por que em Recife? E eu posso responder “e por que não?”. Ou “porque sim”. Ou “porque Adriana Falcão escreve umas coisas lindas que têm sotaque pernambucano e eu gostaria de tentar fazer algo assim”. Ou “porque é a minha terra e faz todo o sentido na obra”. Ou “porque escrever talvez seja uma forma de homenagem”. Ou “porque escrever talvez me faça prestar contas com o passado”. Mas, a verdade mesmo é que: não sei.

Acredito que o lance da “homenagem” e o do “prestar contas” estão lá no inconsciente. (Tá, nem tão inconsciente assim, né, seu besta? Senão você não estava falando a respeito!) O problema todo é que, enfim, Recife não precisa de mim, da minha homenagem. Recife é muito maior do que eu. E não falo assim com rancor, como uma forma de mimimi, como se dissesse “que peninha de mim que não vou eternizar Recife como Joyce fez com Dublin”. Muita, mas muita gente grande veio na minha frente. É tudo óbvio.

Quer um exemplo? Veja o filme O som ao redor.

Muito já se falou sobre esse filme: eu, particularmente, gostei bastante da crítica que li no Cinema em Cena e no blog do Ateliê Editorial. Já conhecia os curtas do diretor, mas não sabia da existência do longa brasileiro mais badalado dos últimos anos. Um amigo meu (o Gui, *cof* crítico-literário-e-cinematográfico-além-de-jornalista-do-Rascunho *cof*) que me falou dele. Não esperei voltar pra Curitiba: nada melhor do que ver O som ao redor quando o som ao redor é puro sotaque pernambucano – mesmo quando o som ao redor era o do povo reclamando “Oxe, e já acabou o filme, foi? Tem mais nada não?”.

Eu me encolho e me limito à minha insignificância ao ver um filme desses. Todo aquele sotaque, toda aquela análise social, todo aquele Recife nu pra quem quiser ver, todas aquelas nuances do roteiro. Um conhecido comparou o filme à obra bonitinha (mas ordinária) daquele hipster chamado Xavier Dolan, J’ai tué ma mére. Minha resposta a isso é “Pffff”: Kléber Mendonça não precisa esconder falta de roteiro, de ideia, de conteúdo propriamente, com imagens bonitas (ou com os biquinhos do moço, não exatamente bonitos).

Não pretendo analisar, aqui, o filme. Só quero dizer: resta alguma dúvida de que Recife não precisa de mim? Isso me dá uma espécie de tranquilidade: em caso de fracasso e despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão automaticamente. Ninguém tá contando comigo, o que torna toda a pressão muito menor. Sendo assim, puxe uma das máscaras para liberar o fluxo de oxigênio, coloque-a sobre o nariz e a boca, ajuste o elástico em volta da cabeça e respire normalmente.

3. Um conto de duas cidades ou: Você é de onde? Daonde você é? De onde mermo que tu é?

Uma novela para escrever essa novela. Há anos, adiada. Fora que nem chamo de romance porque: (1) não sei se o negócio será longo para ser denominado assim e (2) isso já me rendeu mal-entendidos o suficiente. Demorei meses para compreender a pergunta de uma das minhas pessoas favoritas da vida: “Mas, Arthur, como se adia um romance?”.

Pois bem: ela será ambientada em Recife, principalmente. Mas, também, em Curitiba, num pedacinho. Enquanto Thomas Mann, para citar um exemplo aleatório, usa Itália e Alemanha para construir seu Tonio Kröger, o bom do brasileiro é que ele tem a oportunidade de falar de terras distantes sem sair do país. Isso é algo que considero muito interessante: é tudo em português, é tudo brasileiro, mas nem de longe é tudo a mesma coisa.

Ingrid tinha alergia à lama do Capibaribe. Não li essa coletânea de contos do Marco Albertim, mas gostei do título: é daqueles que (não acho que vou explicar direito, mas…) provocam a reflexão. O Capibaribe corta a cidade do Recife, a lama é característica dos mangues que margeiam o rio e a alergia é “reação anormal e específica do organismo após sensibilização por uma substância estranha que não gera problemas na maioria dos indivíduos”, segundo o Houaiss (mas, também, segundo o mesmo dicionário, o significado derivou para “sentimento de antipatia; aversão, ojeriza”). E Ingrid é Ingrid. Mas por que, Ingrid, alergia só à lama do Capibaribe? É por querer ou é inconsciente? Parece um pouco aquele povinho que acha que o cenário artístico brasileiro contemporâneo não presta: vai ler Quiçá, vai ler Diário da queda, vai ler Mãos de cavalo e Nove noites e A página assombrada por fantasmas, tá? Vai ler Luna Clara & Apolo Onze, que você vai gostar, meu amor. Vai ver O som ao redor.

Mas a minha questão não é essa – até porque, pelo menos, já voltou a ser chique ser escritor brasileiro. Minha questão é: como escrever uma obra com aquele sotaque gostoso, quando minhas tentativas de puxar o pernambuquês na fala soam falsas? Faço isso e as pessoas pensam que estou mangando delas, que estou zombando. E aí perguntam: “Você é de onde? Daonde você é? De onde mermo que tu é?”; Eu sou daqui: “Oxe, nem parece!”; Mas moro fora há algum tempo: “Logo vi…”. É uma longa história para explicar tudo e não vale a pena. O problema todo é que são essas as mesmas perguntas que ouço em Curitiba. Não tem como fugir.

Além disso, minha questão também é: qual a importância da ficção em oposição à não ficção? Particularmente prefiro a ficção à não ficção. Mas, depois de chegar ao Recife, fui bombardeado por um cotidiano tão cheio de detalhes que só me restou a pergunta: quero mesmo escrever a história já esquematizada ou largo mão de tudo e mudo, pra deixar a cidade e as pessoas respirarem melhor na literatura?

Quer um exemplo desses “detalhes”? Lá vai, então.

Três dias para Beethoven completar 13 anos de vida e ele morre. Um poodle micro-toy. Brigão. O xodó duma família. Estava com eles praticamente desde quando os conheci. Entrar na casa do tio era ouvi-lo dizer “Não é ninguém, não, Beethoven! É só o Arthur.” O apartamento não é o mesmo sem ele: você tinha de ficar muito atento ao fazer carinho, pois num instante ele poderia desistir de gostar daquilo e rosnar. Ele tinha o uniforme do Sport Club do Recife. Meus amigos-irmãos, meus tios-pais: todo mundo sem saber pra onde olhar. Ele estava bem doente e morreu em casa: pelo menos, não precisaram sacrificar. Nunca pensei que fosse ver o funeral de um animal, sem ser aqueles de filme. Não foi bem um funeral: a mulher colocou-o, com caminha, paninho e tudo, dentro dum saco plástico preto. Parecia um saco de lixo, mas era muito maior do que qualquer um que eu já vi. Colocou-o dentro de uma caixa de papelão. Perguntou se queriam certidão de óbito, ela tinha vários modelos. Não, brigado, moça. “Chega pelo correio e tem uns bem bonitos”. Não. “Pelo menos ele não morreu no Natal ou no réveillon”. Eu me perguntava se essa mulher não conseguia calar a boca quando ela começa uma conversa fiada, uma tentativa de piada, da qual não me recordo. Ainda bem.

O cãozinho tinha, sei lá, uns 10 centímetros de altura. “E era maior do que qualquer coisa que eu possa inventar”, pensei naquele momento. É fácil descrever coisas aleatórias da cena e tentar provocar alguma emoção. Mas isso é trair. E não chega aos pés de estar ali, no momento. E não descreve nem um pouquinho como eu me sinto ao escrever isto. E não denota o quanto estava gostosa a tapioca que comemos após o evento. Gostosa, mas amarga emocionalmente. E um pouco mais molhada e salgada do que de costume.

Um dia, eu quero escrever um livro que valha tanto quanto um bom cão.

Um dia, quem sabe?