E eu vou contar para todo mundo como estou magoada e sofrendo muito, muito e muito.

É verdade. Eu coloquei expectativa demais na possível relação. Nunca tive certeza de que estar ao meu lado era o que você queria. Foi interesse? O tempo todo? Até nos melhores momentos? Como pude me enganar? Os sinais devem ter passado pela minha frente. Ignorei? Talvez tenha apenas fechado os olhos. Não vou dizer que chorei (chorei, sim). Porque isto seria uma mentira (chorei tanto, tanto). Mas a vida continua (que dor). Vou seguir (que sofrimento). Né? (céus, ó céus).

E… corta. 

Estou ensaiando. Um discurso, uma fala, uma peça de teatro. Não importa. Os vizinhos acompanham aqui da sacada do meu apartamento. Sim: sumi em março, e não publiquei a coluna. Peço desculpas. Mas vocês sabem que fácil a vida não tem sido. Covid-19, escolas fechadas, isolamento social, libido a mil. Aquela coisa.

É por isto que tenho pensado muito em monólogos interiores (e outros nem tão interiores assim). Em isolamento social voluntário desde o dia 13 de março, e com responsabilidade social a partir de 25 do mesmo mês, tenho conversado com as paredes, cantado com os músicos do Spotify, xingado a distância o morador do apartamento de cima que ainda não terminou a maldita obra. Verdade que estou em quarentena com o meu filho de sete anos. E ele é gêmeos em gêmeos em gêmeos em gêmeos ao infinito. E, às vezes, peço para que fique quieto por cinco minutos. Também tive uma interação aos gritos, pela janela, com uma criança que – aparentemente – estava sozinha em casa aos prantos. “Hey, hey…”. De 100 pessoas ao redor, fui a única que reagiu ao choro. Deu tudo certo, se você ficou curioso em saber. A mãe não quis limpar o menino com “alquingel” de novo e desceu até a garagem sozinha. E ele ficou com medo e gritava em monólogo bem desesperador.

Muitos dos nossos monólogos interiores são movidos pelo medo, pela incerteza, pela dúvida, pela dor e, sim – é claro –, pelo amor. Especialmente o não correspondido. Geralmente, ele é desenvolvido em primeira pessoa. O “eu eu eu eu eu”, como no exemplo lá do início do texto. Mas também pode ocorrer no nós, quando, imaginem, uma autoridade máxima se dirige à nação num discurso. Ou em alguns momentos do belo As virgens suicidas, de Jeffrey Eugenides, um dos melhores livros já escritos com um narrador na segunda pessoa do plural.

Além disso, existe o fluxo de consciência, que tenta acompanhar e descrever o pensamento da personagem e é um aprofundamento do monólogo interior. Molly Bloom, em Ulysses, de James Joyce, é um caso clássico. 

Então, diretamente do meu bunker – com máscara, água sanitária e sem estoque desnecessário de papel higiênico –, resolvi dividir os monólogos em três tipos.

Primeiro tipo: o da arte

Literatura e teatro. É a CLB, de A casa dos budas ditosos, de João Ubaldo Ribeiro. São algumas peças ou trechos de peças de Samuel Beckett. É Esther Greenwood, de A redoma de vidro, de Sylvia Plath, mostrando a depressão como uma redoma que se fecha sobre ela. É Holden Caulfield, de O apanhador no campo de centeio, de J.D. Salinger, que – mais uma vez expulso da escola – anda pela cidade imaginando um campo de centeio onde crianças brincam e que termina num abismo. 

Segundo tipo: o da minha quarentena

A paixão segundo G.H. é um dos meus livros preferidos. No entanto, eu não sou a G.H. de Clarice Lispector, porque mato sem dó as baratas. Só que, ultimamente, tenho conversado-negociado-gritado com as pequenas formigas brancas que insistem em não abandonar o meu apartamento. E tenho feito pequenas interjeições inéditas para escritores, quando gosto do trecho de um livro. Sim, sim. Meu monólogo daria uma obra patética. Tenho tempo. Infelizmente, a quarentena deve ir longe. 

Terceiro tipo: surreal, inacreditável e me belisca

Tendência de 2020 e já alçado à condição de meme eterno, o monólogo do presidente trouxe todos os ingredientes de um perfeito fluxo de consciência. É difícil definir qual a caracterização exata do personagem. Porque a confusão poderia apontar para diversos indícios (como recursos alucinógenos ou mentais que muitos escritores já usaram). De uma coisa não há dúvida: trouxe a mágoa típica e dolorosa dos que tiveram o seu coração partido, foram abandonados e nunca reconhecidos dentro de uma relação. Doloroso, se não fosse trágico. Tocante, se não fosse patético. E, em extremo, inverossímil, pois a projeção no encontro frustrado no aeroporto e a menção ao aquecimento da piscina foram artifícios que não funcionaram.

O que já é clichê geral de 2020 é que a realidade tem dado um banho na ficção. Poderia ser de banheira e de espuma. Mas estamos todos, com mais ou menos desespero dentro de nossas cabeças, tomando banho de mangueira contra um muro. Que os sinais de fumaça sejam melhores na próxima coluna. Cuidem-se e fiquem em casa, pelo amor de São George Orwell.