Perdido em meio aos filmes-do-Oscar, entre uma sessão de Lincoln e de Argo, me peguei na estreia desse filme israelense vencedor do prêmio de melhor roteiro em Cannes de 2011 e indicado ao Oscar do mesmo ano de melhor estrangeiro (sem chances diante do incomparável iraniano A Separação). Com dois anos de atraso, a distribuidora Sony o traz ao Brasil, e tê-lo achado em meio às grandes e premiadas produções que ocupam nosso calendário cinéfilo no começo dos anos foi tão maravilhoso quanto quando eu encontrei um exemplar antigo de Uma Temporada no Inferno, de Rimbaud, em meio a empoleiradas Enciclopédias Britânicas num sebo no centro do Rio. Surpresas do Cinema.
Nota de Rodapé, de Joseph Cedar, traz Eliezer Sholnik (o excelente Shlomo Bar-Aba), um acadêmico taciturno, minucioso pesquisador do Talmude – o texto sagrado do Judaísmo -, que vê seu ego e auto-respeito abalados pelo sucesso do filho Uriel Scholnik (Lior Ashkenazi) na mesma área de atuação que a sua. Uriel é prestigiado pela comunidade local, cuja vida gira em torno da Academia, enquanto seu pai amarga grande fracasso profissional, tendo como maior feito da carreira ter sido citado numa piedosa nota de rodapé de um respeitado livro sobre os estudos judaicos. Um dia, o prestigiado prêmio Israel liga ao senhor Sholnik pai, pensando tratar-se do Sholnik filho, para anunciar a vitória do prêmio daquele ano. Numa confusão inacreditável, o filho terá de escolher entre deixar o prêmio com o pai, desde que abdique da possibilidade de ganhá-lo pelo resto de sua vida, ou contar a ele sobre o mal entendido e devastá-lo de vez.
O grande feito dessa obra é focar a relação entre o pai-judeu e seu filho, deixando de lado o conhecido esteriótipo da mãe-judia, sempre dramática e super protetora. Aqui, o pai não é um vilão, mas certamente não age das melhores maneiras. Sempre distante e frio, não esconde a inveja pelo sucesso do filho, enquanto o filho lembra-se com o orgulho da influência e inspiração do patriarca para sua escolha profissional. Ainda assim, Uriel também não é o mocinho, adora ser bajulado, é narcisista em relação ao seu sucesso e com seu filho repete a má relação que teve com o pai.
Tradicionalmente o Cinema que mergulha no universo judaico tem uma grande qualidade: não pinta o mundo em preto ou branco. Descrente da dicotomia, a religião que tem o deus mais severo dentre os deuses sempre se retrata na tela grande com as honestas nuances da instabilidade, incoerência e irritabilidade humanas, além de humor negro em alta conta.
Nota de Rodapé é, inegavelmente, um filme engraçado. Engenhoso, o diretor constrói a trama de forma divertida, sem nos cansar e, especialmente na primeira parte, utiliza-se de ferramentas visuais para aliviar as tensões de uma trama profunda.
Pode ser que esse filme se perca entre as grandes produções que todos atualmente querem ver. Pode ser que entre a história do grande mártir-presidente americano e a trama de ação da captura de Bin Laden os espectadores passem batido por essa ótima produção. Pode ser que seja assim, mas para o bem do bom Cinema, é bom que não seja.
O filme é ótimo no geral sim. Mas tem algumas pontas soltas que incomodam bastante. Lá pelas tantas, o filho vê o pai conversando – de forma nada “suspeita”, aliás – com uma mulher desconhecida e supõe que ele mantenha um caso extraconjugal, mas o assunto nunca mais é retomado. Em outro momento, defendendo o pai numa discussão, seu oponente insinua que o pai mantém segredos sórdidos, mas fica só nisso também. Estaria se referindo à amante? Ter uma amante é razão suficiente para ser desqualificado para uma premiação acadêmica? Esses pontos ficam por demais no ar, sem falar no final, extremamente frustrante.
O filho reconhece a mulher mais tarde, ela era a secretária que errou o nome dos dois e pediu para se encontrar com ele para conversar melhor.