Câmera na mão. Imagens difusas de Nova York. Uma suave voz feminina envolve o espectador, explicando porquê de estarmos acompanhando a caminhada pelas ruas caóticas da cidade. Ela logo explica: procuramos Elena. Essa moça, que desapareceu do mundo aos 21 anos, deixando marcas quase irreversíveis nos corações daqueles que ficaram, buscando-a.

A atriz e diretora estreante, Petra Costa, é a narradora desse emocionante documentário, que leva o nome de sua irmã: Elena. Revivendo o comecinho de suas vidas – desde o encontro dos pais aos nascimentos uma da outra. “No meio desse redemoinho você nasce, meio clandestina, sem poder contar pra ninguém onde morava.” Por meio de arquivos históricos, vídeos gravados em casa e áudios de fita cassete, podemos observar a relação das duas irmãs, cujos catorze anos de diferença não impediram que ali brotasse confiança e muito amor.

A jovem diretora mineira demonstra imensa segurança e senso estético. A beleza para narrar sua intensa relação com a primogênita parte, não só do belo roteiro – também escrito por ela, em parceria com Carolina Ziskind – ou da trilha sonora cuidadosamente escolhida, mas de toda a criação de uma aura pura e quase onírica, ao mesmo tempo sensível e extremamente angustiante.

Acompanhamos a trajetória de Elena desde quando Petra pode recordar-se – com ou sem a ajuda dos vídeos que elas gravavam para se divertir – e entendemos que, quando chegou aos 15, a separação dos pais talvez tenha afetado seu lado mais inconsciente de preservação. Apesar de não demonstrar tristeza, Elena se distancia da família, e decide que quer ser atriz – mas fora do Brasil. Linda e talentosa, ela vai para Nova York e logo descobre ter aptidão para mil tarefas: dança, canto, escrita e, claro, teatro. Faz inúmeros testes e audições, e chega a conhecer Francis Ford Coppola – que, inocente, a convida para assistir às gravações de O Poderoso Chefão 3.

Mas, no meio do caminho, alguma coisa aconteceu com Elena. Algo que não podemos entender – e que Petra tampouco consegue explicar. De natureza aberta, ela se fechou. Seguindo os emocionados depoimentos da mãe e cartas, em forma de diário, que a própria menina escrevia, descobrimos que por trás de toda aquela alegria e leveza se escondia uma tristeza e um vazio imensuráveis. Ela se achava sozinha, incapaz de fazer arte. E se não conseguisse fazer arte, preferia morrer.

Petra tinha apenas sete anos. “Nossa mãe vira saudade, sempre com o olhar distante.” Sua dúvida é a mesma que a nossa: por quê? Como uma pessoa iluminada pode achar que as trevas são mais profundas que o brilho da luz? As memórias da diretora doem na mãe e refletem em nós. Um histórico de depressão que seguiu a família e atingiu até mesmo a mais nova, que só conseguiu superar de vez a trágica perda agora.

Petra se funde, aos poucos, com a memória da irmã – nos vídeos, no teatro, nas dúvidas de adolescente – pode dizer, com alívio, que a superou. “Enceno a nossa morte para poder viver.” Em anos e em vida. As memórias do que ficou para trás vão passando, como um rio cujas águas caudalosas já não têm mais tempo de parar nas margens e perguntar à procura de alguém. As marcas vão se tornando menos visíveis, até que passam, bem como as dores.

Você é a minha memória inconsolável, feita de pedra e sombra. E é dela que tudo nasce, e dança.