Se há oito anos, no auge da minha loucura pelo mundo do escritor britânico J. R. R. Tolkien, alguém tivesse me dito que haviam lançado um livro-paródia, este seria, certamente o último com o qual teria contato em toda minha existência – e minha reação figuraria dignamente nos comentários infelizes e pré-conceituosos dos fóruns da internet. Felizmente, essa fase diminuiu – se dissesse que passou, estaria mentindo – e amadureci o suficiente para poder observar algo que amo com certo distanciamento.

A história de O Último Anel, escrito pelo russo Kiril Yeskov e ainda sem lançamento no Brasil, é uma mistura daquilo que já conhecemos do mundo tolkieniano com elementos muito atuais do nosso cotidiano. É preciso embarcar na viagem junto com o autor, navegar pela viagem dele e seguir os passos de seus personagens da maneira mais natural possível. Em muitos momentos várias referências, na maioria engraçadas, serão lançadas ao leitor, das mais óbvias às mais intrínsecas para quem realmente conhece os livros originais.

A intenção do autor, sempre explícita, era de levar aos fãs da saga um segundo olhar. A partir do momento em que nos damos conta de que O Senhor dos Aneis é uma epopeia escrita do ponto de vista dos vencedores – como aconteceu em praticamente todos os momentos da História –, Yeskov nos leva a conhecer a outra face daqueles personagens. Quem eram, de fato, os trolls e orcs a serviço de Sauron? Seriam de todo maus, ou somente levados por outra crença – a de que o mundo, segundo eles, seria melhor se fosse levado a galope na tecnologia de ponta? E os homens do leste e do sul de Gondor? Também não acreditariam, eles, em outro futuro para seu povo? Ou seria melhor, mesmo, viver em um grande jardim, construído pelo domínio dos elfos?

A história tem como ponto de partida justamente o fim da Guerra do Anel: depois que Sauron, já derrotado pelos homens do oeste, desaparece do mundo, aqueles que lutavam ao seu lado precisam voltar para casa – uma estrada que, agora controlada por cruéis vencedores, não fica fácil para nenhum guerreiro cansado (e perdedor). Novos personagens – um orc, um sulista e um gondoriano – se encontram no meio da estrada e, por motivos maiores – uma missão dada a eles por sábios – devem atacar juntos, para que o mundo possa sobreviver, e não cair na ladainha élfica.

Não que Yeskov lide com a possibilidade do branco no preto: ele não só inverte os papéis de mocinhos e bandidos, mas incrementa algumas personalidades com tons de cinza, que deixam o leitor na dúvida de qual das duas teorias seria a melhor. Teorias, aliás, levantadas pelos dois maiores magos do Conselho Branco, Gandalf e Saruman – não necessariamente nessa ordem. Os nomes do livro – por motivos do aborrecido copyright que os filhos de Tolkien detém – são todos trocados, alguns bastante reconhecíveis, outros nem tanto.

Apesar da inventividade do escritor – na verdade, um biólogo e paleontólogo entusiasta da obra –, é certo que faltam muitas nuances a serem exploradas, não só no quesito personagens. Embora divertido, a introdução de novos “heróis” atrapalha na compreensão dos eventos, e o enredo se perde no terceiro capítulo. Sem saber muito como explorar o desenlace de uma boa narrativa, Yeskov também comete o erro de achar que seus leitores estão tão familiarizados quanto ele.

Assim, embora em grande parte do livro consigamos acompanhar um simples diálogo de personagens, em outros, a extensão e o fato de que aqueles personagens têm nomes modificados embaralham toda a história, e é necessário voltar e rever alguns capítulos anteriores para buscar a origem do interlocutor.

Sem querer dar muitos spoilers, a própria premissa é curiosa, mas o fim deixa muito a desejar. Sem conseguir explorar bem o que tem em mãos, Yeskov cai em fáceis armadilhas de querer terminar a história com um desfecho simplório, enrolando muito no meio e correndo muito no fim. Com quase 600 páginas, o que fica é uma leitura gostosa, porém confusa e rapidamente esquecível.