Primeiro eu assisti a Hemlock Grove, série do Netflix com roteiro do Brian McGreevy. Depois eu li Hemlock Grove, romance também escrito por ele. O primeiro é baseado no segundo, guardem essa informação com carinho para ser discutida ao longo deste texto. Na história, conhecemos uma cidade bem estranha, que dá título às produções, e seus moradores mais peculiares ainda. De um lado, os Godfrey têm o poder e riqueza do lugar, primeiro com siderúrgicas e depois com um hospital. De outro, os Rumancek aparecem com seu sangue cigano e passam a habitar um trailer herdado na periferia da cidade. Uma série de assassinatos juntam Peter Rumancek e Roman Godfrey.

O fato é que alguma coisa na série conseguia me fazia gostar muito do que eu estava vendo, ao mesmo tempo em que me sentia um tanto perdida, como se me rodassem com uma venda e me jogassem no meio da narrativa de upirs, lobisomens, assassinatos misteriosos e projetos de ressurreição (que é exatamente o que se trata, em um resumo bem grosseiro). Essa sensação seguiu ao longo de 13 episódios de quase uma hora cada. No fim, sentia que muitas questões ainda estavam jogadas e pensava que tinha perdido parte da narrativa, ou que boa parte da história não havia sido contada. Enquanto isso, no livro, não há confusão alguma, a ponto de se diminuírem muitas das tensões que aparecem na história e se formarem páginas arrastadas.

Dia desses, estava revendo o primeiro episódio da série pra tentar comparar com os acontecimentos do livro, e um amigo me perguntou sobre uma das personagens.

“O que é que acontece com ela mesmo?”
“Ela engravida de um anjo, ou ao menos acha que é um anjo, mas na verdade foi estuprada pelo primo. E então ela morre no trabalho de parto.”
“Ah é. Eu lembro que acontecia alguma coisa meio ruim do tipo.”

Meio ruim, entendem? Seis meses depois de ter assistido, meu amigo só conseguia lembrar “algo ruim”. Não pode ser bom sinal. Um personagem tem que ser mais memorável do que isso. No livro, os mesmos fatos aconteciam só que de forma mais lenta e previsível e, por isso, igualmente menos memorável. Eu identificava o que cada formato tinha de bom ou ruim, mas ainda não sabia o que me fazia gostar da história, se é que eu gostava, no fim.

Como reação madura a tudo isso, fiz desenhos coloridos até me sentir confortável de novo. Dividi o primeiro episódio em cenas, e o equivalente no livro em estruturas narrativas. Então avaliei cada momento dos dois formatos. Em seguida, separei quais os momentos aconteciam nas duas histórias e quais eram diferentes.

A prova de que eu fiz mesmo os desenhos, com régua e linhas tortas:

Captura de Tela 2013-10-14 às 5.38.10 PM

Captura de Tela 2013-10-15 às 10.09.20 AM

A primeira coisa que eu notei, já meio esperada, é que o ritmo da série é muito mais rápido do que o do livro. São 25 “cenas” (na verdade, são mais, mas juntei momentos em que o personagem sai de uma sorveteria e vai pro estacionamento, por exemplo), contra 12 do livro. Mais do que o dobro. Outra coisa, 40% do episódio é criação nova e exclusiva da série, por isso é ela considerada somente como baseada no livro, como citei no início do texto, e não uma adaptação.

O que acontece é que os personagens são interessantes e a macro-história também. É realmente maravilhoso poder ligar a TV e assistir uma narrativa atual desse gênero que não trata de uma menina disputando atenções. Existe todo um cuidado em criar um enredo maduro e que traga novidades ao público. Contudo, ambos os formatos deslizam, resultado que pôde ser medido por uma audiência baixa no Netflix, ainda que isso não temha feito com que os produtores desistissem de trazer a série de volta para uma segunda temporada em 2014. O fato é que Hemlock Grove pode ser uma produção muito acima do que foi apresentado em sua estreia.

Talvez seja o caso de pensar em trazer um pouco mais do livro às telas. Um pouco mais de explicações e respostas para a audiência que lutou bravamente pra passar por 13 capítulos no escuro. É exatamente o caso de procurar um meio termo entre o frenetismo da primeira temporada e as arrastadas explanações do livro, porque do jeito que está, temos duas histórias iguais e, ao mesmo tempo, gigantescamente diferentes. “Uma bunda montada em dois cavalos”, como diria Peter Rumancek.