Há um termo pejorativo em inglês conhecido como chick-lit, ou seja, literatura para garotinhas, e mulherzinhas também, com muito açúcar, corações partidos, reatados e questões voltadas mais para o universo feminino (ou como é considerado universal, afinal, nem todas as mulheres e garotas gostam de livros dessa alcunha). Familiarizado com esse termo por causa da série Crepúsculo, tentei encontrar um equivalente para o gênero masculino durante a minha leitura de Drive, de James Sallis, lançado pela editora Leya, mas não encontrei algo específico mesmo recorrendo à Anica, a quem expliquei ser um gênero recheado de violência, anti-heróis bad asses, carros e frases espertinhas.

Neste quarto livro escrito pelo autor norte-americano, e primeiro levado às telas no ano passado com Ryan Gosling no papel principal, acompanhamos a vida e carreira d’O Piloto, nascido em um lar destruído com ambos os pais com problemas, crescendo em outra casa, fugindo para Los Angeles e finalmente conseguindo uma carreira: a de motorista em cenas de ação em grandes produções hollywoodianas – de acordo com o próprio personagem, ele dirige e é apenas isso que faz, e muito bem. Não há, porém, lendo por cima essa pequena sinopse, nada de superação ou um verdadeiro sonho americano, a história não é apresentada em ordem cronológica, não são flashbacks e flashfowards, são momentos isolados que montam a vida do Piloto, o que obriga o leitor a ficar atento às diversas pontas que vão se amarrando.

A trama não se prende apenas a manobras automobilísticas em sets de filmagem, um dos bicos d’O Piloto é ser motorista de fuga para criminosos e ajudá-los a sumir antes da polícia aparecer. É claro que muitos dos crimes não dão certo e auxiliam na injeção de suspense, que nunca é solucionado no capítulo seguinte, sempre em pílulas, e é como poderia ser classificado grande parte dos capítulos do livros, alguns não ocupam mais que uma página.

Perto de um desfecho, ou o que poderia ser um, afinal, James Sallis fala que muitas coisas aconteceram com O Piloto depois das histórias apresentadas nesse livro, mas uma das coisas mais bizarras, que até assustam quando se lê, é quando o personagem principal tem lembranças e não sabe se são reais ou imaginárias. Ele começa a travar uma conversa sobre Dom Quixote e Borges para assimilar e aceitar o mundo real e violento.

Drive não é um livro de mistério a ser solucionado, é um livro de ação com toques de suspense e em diversos momentos é possível ler numa tacada só e, realmente, esquecer quem é quem ou em que período do tempo estamos, qual segmento é mais importante – todos são. O que poderia ser ruim como um filme do gênero Michael Bay, em que cortes rápidos de câmera não deixam o espectador ver, nesse livro a ação é direta e descritiva, mas não se apega a detalhes mínimos de como a pessoa quebrou um braço e como ocorreu dentro do corpo dela. Não é uma questão de superficialidade ou falta de descrição, tudo é mantido de maneira sucinta para não atrapalhar o ritmo de adrenalina proposto por Sallis. Isso é tão visível que grande parte dos seus personagens não têm nomes próprios, os que participam de subtramas mais relevantes têm apelidos, como O Cozinheiro, O Montanha, O Doutor, etc.; enquanto outros têm nomes curtos, como Nino, Manny, os Smiths, o que ajuda na leitura desenfreada.

Irônico é que o filme inspirado por esse livro não pega todas as histórias, apenas duas, e as juntam transformando a trama em um suspense sufocante, pois assim como o protagonista do livro, na grande tela não existem diálogos marcantes dele, seu silêncio é seu principal trunfo para passar despercebido. Aliás, são dois exemplares diferentes que jogam muito bem em seus esportes, o livro consegue prender o leitor, enganá-lo e fazê-lo repensar as situações, enquanto o filme cria um certo desespero com tanto suspense e choque com a violência. Se alguém disser que o livro é melhor, não confie.

Drive não mudará sua vida em nada, é entretenimento em forma de braços quebrados, perseguições de carros e, acreditem, longe de qualquer romantismo. É nesse ponto que demorei para formular um gênero específico para garotos, graças à Anica, não achei outro melhor: testo-lit, a literatura de testosterona, não apenas para os marmanjos que querem ter a língua afiada, mas para qualquer pessoa que quer um pouco menos de açúcar em forma de prosa.