Finalmente cheguei aos filmes falados em línguas esquisitas e encontrei o Homem Que Fala Alto, uma pequena instituição da Mostra com a qual eu já estava começando a me preocupar. Ainda sem desastres ou corridas de obstáculos, a maior emoção foi descobrir que no Cazaquistão se fazem bons filmes.

Terras Frias – Atticus é criado por sua mãe para rejeitar os padrões de “felicidade” da sociedade de consumo e buscar uma independência que beira o isolamento. Quando ela morre, em consequência de uma doença que se recusava a tratar, o menino foge para a floresta e acaba sendo adotado por Carter, que vive em seu carro e vende bijuterias artesanais.

O filme vai delicadamente explorando as fronteiras entre independência, egoísmo e isolamento e instaura um dilema sempre presente, mas nunca dito. A direção contida  e o bom trabalho de atuação ajudam a mover um roteiro em que muito se dá, mesmo se nada acontece.

Todos os Gatos São Brilhantes – Um dos muitos filmes gregos da Mostra deste ano trata, como alguns outros, da crise econômica que atinge o país. No entanto, a diretora Constantina Voulgaris escolhe olhar não para os que sofrem, mas para os que estão protegidos o suficiente para ver de fora.

Elektra é um filha de intelectuais formada em artes que adere a um grupo de extrema esquerda partidário da luta armada. Mas Elektra não se adere realmente a nada: ela vaga por sua existência tentando decidir o que fazer dela. Voulgaris é sensível e faz de sua personagem ao mesmo tempo um estudo de caso da classe média alta de um país em crise e um indivíduo único que deve encontrar justamente a forma de escapar aos seus próprios clichês. Quieto e lento, Todos os Gatos São Brilhantes consegue a difícil tarefa de captar o que existe no vazio.

Confissão de Assassinato – Parte da seleção especial Foco Coréia, esse filme de ação fala da busca de um detetive de polícia para encontrar o serial killer que matou sua noiva antes que quinze anos se passem, uma vez que, a partir daí, a lei coreana tornaria impossível puni-lo por seu crime.

É difícil saber se Confissão de Assassinato é um filme irônico que erra bastante, ou um filme sério que erra terrivelmente. Ele consegue ser engraçado, mas menos graças a piadas que funcionem e mais porque tudo é um tanto constrangedor. As atuações são ruins e os momentos de drama são exagerados e artificiais, o roteiro tem buracos e mesmo as cenas de perseguição não funcionam. Fosse um pouco mais absurdo e talvez conseguisse ser tão ruim que se tornasse bom.

Lições de Harmonia – Ontem eu nunca diria que se faziam filmes no Cazaquistão, muito menos que se faziam filmes como esse, mas essa é a maravilha da Mostra. A história de Aslan se passa em um vilarejo no interior do país, coberto de neve mesmo na primavera e cercado de montanhas. Em sua escola impera um sistema organizado e impenetrável de comando que, por qualquer motivo, decidiu condená-lo ao isolamento.

Fiquei surpresa, novamente, ao descobrir que o longa é de um diretor estreante. A composição dos planos é precisa e cria imagens lindas que em seguida serão contrastadas com algo repugnante. A brutalidade da história é harmonizada com o cenário e o isolamento dos personagens repetido a cada imagem.

Lições de Harmonia esteve no Festival de Berlim e fica como maior recomendação da Mostra até agora. É um filme extraordinariamente maduro e eu apostara em Emir Baigazin como um diretor para se prestar atenção.