Acabou… Volto a dormir, me alimentar de comida de verdade e cuidar dos meus gatos. Finalmente descubro a que horas anda escurecendo, se faz calor ou frio do lado de fora e consigo, talvez, manter uma conversa de cinco minutos sem falar de filmes. Não foi de propósito, mas guardei o melhor pro final e já estou sentindo falta, chega logo 38ª!
Um Toque de Pecado – Jia Zhang-Ke conquistou a crítica e os festivais com Em Busca da Vida, um filme que é todo um grande retrato de um processo de decomposição e desenraizamento. Em Um Toque de Pecado esse processo já ocorreu, são sete histórias desconexas sobre seres humanos sem nada, sem passado, presente, lugar, laços, ou mesmo humanidade.
O título soa quase irônico: o que há de pecado, de mal, dentro desse filme é muito mais que um toque, mas em sua crueza o diretor consegue imagens secas, frias e constrói um filme muito pouco graficamente violento, mas narrativamente brutal.
Wakolda – Desde seu filme de estreia, XXY, há algo que Lucía Puenza faz muito bem: retratar cinematograficamente o desejo e a tensão sexual. No entanto, em seu primeiro filme cujo sexo não é o tema central, a diretora patina um pouco e seu grande trunfo perde força.
Em um vilarejo da Patagônia existe uma escola alemã de passado nazista, uma considerável colônia e uma casa onde vive Josef Mengele, o mítico médico nazista. Talvez poucas figuras reais causem o misto de medo e fascínio de Mengele, a aura de cientista louco o torna, por vezes, uma figura mais repugnante que o próprio Hitler: tintas injetadas nas veias de judeus, experimentos genéticos com gêmeos, todo tipo de ciência “obscura” acompanham o nome do doutor alemão.
A diretora acerta ao manter a ambiguidade. Mengele é um homem obcecado, mas simpático, especialmente porque o vemos pelos olhos da pequena Lilith, e Alex Brendenmühl faz um excelente trabalho ao imbuí-lo de humanidade. O roteiro centra-se em uma família cuja filha atrai Mengele obsessivamente e acompanha sua descoberta do homem que colocaram dentro da própria pensão. É uma história interessante e envolvente, mas Puenza se perde ao tentar criar uma ilha de nazismo no meio do sul da Argentina que soa apenas falsa. Ela tenta fazer um quebra-cabeças de seu roteiro, mas faltam peças e o espectador só pode ver pedaços que não se juntam.
Há muitas coisas interessantes em Wakolda, mas para uma diretora cujo filme de estreia foi aquele é certamente decepcionante.
Miss Violence – Já na primeira sequência vemos uma garota de onze anos olhar diretamente nos olhos do espectador, sorrir maliciosamente, e se jogar da sacada e o resto do filme não diminui nem em qualidade, nem em força e desconforto.
Afirmo sem hesitar que Miss Violence foi o filme mais impactante que vi nessa Mostra e, talvez, o melhor. A história de uma família isolada, oprimida e incestuosa é contada com planos fragmentados, desconexos, como se o espectador fosse efetivamente mergulhado no mundo enlouquecedor em que vivem aquelas meninas.
Ao mesmo tempo que sua decupagem é um desmembramento, a direção de arte traz tons pasteis, lindas meninas loiras e pinta tudo como um conto de fadas. O conto de fadas que dois dos personagens contam para si mesmos. Mais do que a história chocante, Miss Violence choca por ser muito pouco visceral, por se recusar terminantemente a descer para a lama que retrata: o filme é elegante, contido, bem feito e frio e por isso ainda mais pesado.