por Lidyanne Aquino

A ambientação onírica tem lá suas semelhanças, mas esqueça o contexto fofo de “primeiro amor de infância” de seu predecessor, Moonrise Kingdom. O Grande Hotel Budapeste, trabalho mais recente de Wes Anderson, é fiel às esquisitices do diretor, mas foge um pouco do que estamos acostumados a ver em seus filmes. À sua maneira, Anderson realiza uma mistura insana de gêneros para contar a história do lendário hotel fictício que nomeia o longa. O roteiro também é de sua autoria, e faz uma homenagem à vida e obra do escritor austríaco Stefan Zweig (1881–1942).

Zweig, o original, era judeu, e refugiou-se em Petrópolis (RJ) durante a Segunda Guerra Mundial. Em Grande Hotel, quem dá vida a ele é Jude Law, no papel do Escritor, em sua primeira atuação em uma obra de Anderson. Sua curiosidade aguçada o faz questionar o histórico do local, que é localizado na República de Zubrowka, região (inventada) da Europa.

O hotel, que pela grandiosidade pode ser considerado um personagem, parece uma extensão de seus hóspedes, em geral figuras solitárias que ali encontram refúgio. Ele é tomado por cores quentes, principalmente em tons de roxo e rosa – paletas que dominam boa parte dos cenários, por sinal. A intensidade das cores esvaece conforme a história avança, em uma tentativa “visual” de aproximar o enredo ao embate e às mazelas da Guerra, período abordado perto do desfecho. Essa é uma das marcas mais fortes do diretor, assim como os enquadramentos milimetricamente calculados (há quem diga que Anderson tem TOC pela mania de perfeição em termos estéticos). Há uma clara intenção de guardar a lembrança de Zweig de uma forma otimista, embora não deixe de lado a Guerra que o fez sair de seu país – e isso é mostrado com sutileza por meio dessa variação de tons.

Aos poucos, o escritor embarca na trajetória de Monsieur Gustave, antigo concierge vivido por Ralph Fiennes (Harry Potter e as Relíquias da Morte). A versão em idade avançada de Zero (F. Murray Abraham, e Tony Revolori na fase jovem), ou “garoto do lobby”, é quem reconta essa história ao escritor, hospedado no local quando este já se encontra em uma fase ruim, degradado.

O personagem de Revolori herdou o local devido à forte amizade estabelecida com Gustave, ao lado de quem acompanhou os tempos áureos do hotel, quando ainda era aprendiz de concierge. Gustave é descrito como um belo charlatão que se vê atraído com frequência por senhoras idosas e loiras. Vem a calhar que uma delas é Madame D. – uma rápida e hilária participação de Tilda Swinton – que, ao falecer, deixa a pintura “Boy with Apple”, de Johannes Van Hoytl the younger, de lembrança a Gustave.

Obra de valor inestimável, o singelo presente de Madame D. provoca a ira dos entes familiares que não tinham o menor conhecimento da existência do concierge. Destemido, ele rapta a obra e inicia uma saga com Zero. Eles atravessam o país, que está em guerra, enquanto tentam se esconder dos parentes de Madame D – entre eles o assustador Joplin (Willem Dafoe), que parece ser a maior ameaça. Quem está habituado a um Dafoe soturno é pego de surpresa por um vilão que nos faz rir de suas maldades. Se até então o longa parecia conciliar um pouco de drama com comédia, a fuga da dupla ganha um toque de suspense.

Ainda que alguns elementos soem absurdos ao longo da trama, o diretor procura naturalizá-los o tempo inteiro, como se fossem fatos possíveis, aptos a derrubarem as paredes da ficção. O “Boy with Apple”, embora inventado (assim como seu autor), integra o acervo próximo a artistas reais como Gustav Klimt e Egon Schiele. E aparenta ter sido realizado com o mesmo afinco de um artista consagrado, a ponto de acreditarmos que aquela tela é realmente famosa.

Lamentável, por outro lado, que O Grande Hotel Budapeste acabe perdendo pontos pelo excesso. É comum listar uma enorme quantidade de personagens em cada produção de Anderson, de fato uma característica que lhe é cara. A diferença é que em outros trabalhos eles são complementares, e mesmo aqueles que fazem pontas são bem explorados, figuras que em poucos minutos afloram sua complexidade. No mais recente, o diretor apresenta uma vastidão de personagens interessantes que não são fundamentados e desaparecem da trama por motivos banais ou sem explicação aparente.

Esse aspecto, no entanto, pode até ser favorável aos futuros trabalhos do diretor, como se tivéssemos amostras de bons atores que podem aparecer nos próximos filmes de Anderson. Entre eles Edward Norton e Léa Seydoux, que pouco aparecem, e os velhos conhecidos Bill Murray, Jason Schwartzman e Owen Wilson. Saoirse Ronan também faz uma rápida aparição como a namorada de Zero, Agatha, tornando-se bem importante para o enredo quase que por acidente e acrescentando um quinhão de romance ao longa.

O Grande Hotel Budapeste pode não envolver o espectador de imediato e exibir um Wes Anderson menos empolgado. Apesar dos aspectos negativos, está longe de ser um sinônimo de tempo desperdiçado. E não deixa de ser uma boa homenagem ao árduo ofício do escritor embasado pelas possibilidades de sonho da sétima arte.