Ilustração: Bô Brega
Ilustração: Bô Brega

Tradição é tradição e vice-versa. Por isso, o Posfácio não poderia deixar de lado a sua mais antiga, e intacta, vejam bem, tradição.

Ao final de cada ano no calendário gregoriano, nossa equipe entra em contato com escritores, jornalistas, tradutores e entusiastas da literatura para saber: “Qual o melhor livro que você leu esse ano?”. O regulamento não é dos mais rígidos, vale ficção, não ficção, autoajuda, infantojuvenil e HQ’s, tampouco nos interessa o ano de lançamento. Não queremos somente lançamentos, queremos saber aquela que marcou e foi considerada a melhor leitura de 2013.

Nesta primeira parte, vocês conferem o que nossos convidados leram durante o ano:

Sergio RodriguesSérgio Rodrigues (escritor e colunista do Todo Prosa):

Eleger “o melhor” de qualquer coisa, no singular, me parece mais irresponsável a cada ano que passa. Um dos melhores livros que li em 2013 leva o destaque não só por sua qualidade, mas por ter recebido menos atenção do que merece em nosso mercado grogue de ‘information overload’: Pessoas que passam pelos sonhos (Cosac Naify), de Cadão Volpato, é um romance original, poético, surpreendente – coisa fina, tão fina que as bordas do desenho narrativo vão se desmanchando no ar. Lembra um pouco Cortázar, e não só por construir uma ponte entre a história recente de Brasil e Argentina. E dá à literatura brasileira um inesquecível personagem gauche, do tipo que se lê com um sorriso permanente nos lábios, na figura do arquiteto Rivoli.

 

Caetano W. Galindo (tradutor):

Ando meio séculos atrás. Depois de décadas ouvindo quase só música contemporânea (e Bach… e Bach…), ano passado me meti num projeto Brahms, ouvindo toda a obra do homem. De lá passei pra Beethoven, e agora estou em Mozart. Feliz da vida ouvindo Don Giovanni e encontrando geniais conexões com o Ulysses. Literariamente fiz coisa parecida. Mas meu Brahms, minha porta da entrada pro XIX, está sendo Tolstói. Li esse ano Guerra e Paz, várias das narrativas menores (ok, algumas dessas eu REli) e Anna Kariênina. E, meu, que romance perfeito. Que coisa mais incrivelmente bem montada, tocante, equilibrada, inventiva, fértil. Uma aula. Uma puta aula de narrativa e de ser (verbo) humano. Além de tudo, a tradução do Rubens Figueiredo flui que é uma maravilha, e a edição da Cosac tá lindinha…

 

Carlos Henrique Schroeder (escritor):

A luz difícil (Bertrand Brasil) do Tomás González. O livro surpreende pelo tom sóbrio com que trata uma grande tragédia familiar. O colombiano Tomás González consegue fugir de clichês e armar mais uma novela rápida, rasteira e memorável, da tradição de O mar de Banville e O sentido de um fim do Barnes.

Trecho do livro: “O que são as palavras. Eu já tinha ensaiado escrever poesia e contos, quando era muito jovem, e não o havia feito mal. Naqueles dias, eu parecia ter mais aptidão para isso do que para a pintura, pois me vinha de família, na qual tinha havido escritores. E agora, que volto a fazê-lo depois de tantos anos, me assombra outra vez o quanto são dúcteis as palavras; o quanto por si sós, ou quase por si sós, expressam o ambíguo, o transmutável, a pouca firmeza das coisas. São iguais ao mundo: instáveis como casa em chamas, como sarça ardente. Tudo isso sem que eu deixe de ter saudade do cheiro de óleo ou do pó do carvão ao tato, e sem deixar de sentir falta da fisgada, como a do amor, que se produz quando a gente percebe que toca o infinito, capta a luz esquiva, a luz difícil, com um pouco de óleo misturado com pó de pedras ou de metais.”

 

Raspadinha ou não (non pun intended)
Raspadinha ou não (non pun intended)

Braulio Tavares (tradutor):

Li muita coisa boa em 2013, mas dois livros renovam um gênero fundamental: o ensaio de não ficção recorrendo a técnicas de ficção, o jornalismo (ou ensaísmo) com envolvimento pessoal do jornalista (estilístico, afetivo, pessoal) e que nos lembra o quanto a não ficção pode ser tão livre, doida e profundamente marcante quanto a ficção. São Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo de David Foster Wallace (Cia. das Letras, tradução de Daniel Galera e Daniel Pellizzari) e Pulphead – o outro lado da América de John Jeremiah Sullivan (Cia. das Letras, tradução de Daniel Pellizzari). Minha dúvida agora é se no ano que vem começo a reler ambos, ou se vou atrás dos outros livros de cada autor.

 

Denise Bottmann (tradutora):

Um belíssimo ensaio que li este ano foi Razão e retórica na filosofia de Hobbes, de Quentin Skinner, na tradução da Vera Ribeiro – muito boa, por sinal –, numa coedição da editora Unesp e da Cambridge University Press (1999). Um ensaio brasileiro, bem simples, claro e didático, foi A tradução literária, de Paulo Henriques Britto, pela Civilização Brasileira (2012). E em literatura, gostei de reler Solaris, de Stanislaw Lem, em tradução de Reinaldo Guarany (Círculo do Livro, 1987).

 

julianfuksJulián Fuks (escritor):

Manual da destruição, de Alexandre Dal Farra. Difícil atravessar esse Manual da destruição sem sair do outro lado, de algum modo, destruído. Com seu narrador violento e corrosivo até o limite, a maldizer com insultos cada indivíduo que dele se aproxime, o livro é uma potente diatribe contra a futilidade da existência no capitalismo e a mesquinhez que a todos contamina. Tem a intensidade de um renitente, impossível clímax, em que o protagonista está sempre a ponto de explodir, de aniquilar com palavras ou golpes a si mesmo e a todos que o cercam – leitores incluídos. Tem também o caráter indecifrável de toda obra bem-sucedida, de modo que este meu comentário só poderá resultar distorcivo. Definitivamente, a estreia em romance do dramaturgo Alexandre Dal Farra é uma porrada forte e dolorosa nos masoquistas que se submetem a seu impiedoso domínio.

 

Luisa Geisler (escritora):

Minha melhor leitura de 2013 foi O náufrago, de Thomas Bernhard. Foi um livro que me recomendaram há muito tempo, mas só li por agora. Na verdade, me arrependo um pouco da demora. É um livro excelente, em especial por ter uma espécie de “humor realista” que encanta. Os personagens estão muito bem construído, numa história que só se dedica a contar ela mesma (espero que isso faça sentido pra alguém?).

 

Daniel Galera (escritor):

Foram várias as leituras marcantes de 2013: terminei Guerra e paz, li parte da excelente safra de títulos nacionais (destaque para Digam a Satã que o recado foi entendido, do Daniel Pellizzari e O sonâmbulo amador, de José Luiz Passos) e estrangeiros (Bleeding Edge do Pynchon, The Circle do Eggers, The Flamethrowers da Rachel Kushner, O sermão sobre a queda de Roma do Jerome Ferrari…), reli O erotismo do Bataille na nova tradução publicada pela Autêntica. Mas eu destacaria como leitura mais marcante de 2013 um livro que comecei neste ano e ainda não terminei de ler, pois me exige um ritmo lento: The Shape of Ancient Thought, de Thomas McEvilley. É um paralelepípedo de 800 páginas que expõe a ligação entre as filosofias antigas do Oriente e Ocidente, defendendo a tese de que houve origens comuns e intercâmbio permanente entre o pensamento da Índia e da Grécia antigas. Uma leitura difícil pra quem, como eu, não tem um conhecimento prévio já avançado de história antiga, mas por isso mesmo vou aos poucos, pois as ideias e paralelos apontados por McEvilley são fascinantes. Com perseverança e alguma sorte, termino de ler em 2014.

 

Jório Dauster (tradutor):

Minha melhor leitura de 2013 foi na verdade uma releitura com propósitos profissionais. Mas, ao traduzir Lições de literatura russa, de Vladimir Nabokov, tive o privilégio, mais uma vez e agora sorvendo gole a gole, de degustar as opiniões de um dois maiores escritores do século XX sobre os gigantes que o precederam no idioma que a vida o obrigou a abandonar. Mas que sorte a dos alunos de língua inglesa, como Updike, que puderam ouvir aquelas aulas ocasionalmente rabugentas mas sempre impregnadas de imensa sensibilidade estética.

 

Brontops Baruq (escritor):

Minha melhor leitura em 2013, foi Limonov, do francês Emmanuel Carrère (Alfaguara). Conta a história do escritor russo Eduard Limonov, vândalo, mendigo, mordomo, revolucionário, presidiário e político radical. É uma história real, mas com características de um romance com altos e baixos. Ainda fornece um painel da história russa de boa parte do século XX até ela se tornar esse país incômodo de hoje em dia. A Rússia melhorou ou piorou após o término do comunismo? Quando concluí o livro (e ao conferir seu retrato atual no Google, um tanto ridículo), fico em dúvida se devo “gostar” de Limonov, ou ainda se sua vida merecia ser tão bem contada. Mas Carrère é um ótimo escritor e usa a vida atribulada de Limonov para nos fazer pensar sobre se é mesmo possível ser um “herói” nos dias de hoje (para o bem ou para o mal).

 

Rodrigo Petronio (escritor):

Concentro-me nos lançamentos editoriais brasileiros, porque li muita coisa boa este ano. O livro de ficção que eu mais gostei de ler em 2013 foi O obsceno pássaro da noite de José Donoso. Achei impressionante a força temática e de linguagem dessa sua obra. Donoso é um dos grandes anarquistas da literatura. Um mestre do grotesco e do fluxo de consciência. Não por acaso ele se distancia do realismo mágico. Está mais próximo de Alejandro Jodorowsky. O argumento simples da decadência de uma província chilena é vivido do ponto de vista da ruína de uma ordem religiosa feminina. Donoso constrói um incrível narrador ubíquo em primeira pessoa que se desloca em outras pessoas, assumindo suas vozes. E um personagem-curinga que só existe para questionar a ficção. O livro de não ficção que me estimulou especialmente foi Os anjos bons de nossa natureza do cientista cognitivo Stephen Pinker. São mil páginas de análise sobre uma tese polêmica: a violência humana diminuiu em escala planetária desde a origem do homo sapiens até hoje. Em poesia, adorei a edição das obras completas de dois mestres absolutos da palavra: Ruy Belo e Edmond Jabès.

 

mauricio lyrioMauricio Lyrio (escritor):

HHhH, de Laurent Binet, foi uma das leituras mais interessantes que fiz em 2013. Na superfície, é um livro sobre um ato de bravura, o assassinato do nazista Reinhard Heydrich, chefe da Gestapo, em maio de 1942, por dois paraquedistas tcheco-eslovacos. No fundo, é um exame das fronteiras entre história e ficção, e do tema da liberdade/arbitrariedade do ficcionista e do historiador na caracterização de seus personagens e no relato de sua história. Binet quer se convencer das diferenças de registro entre o “real” e o ficcional. Expõe o fazer do livro como um esqueleto externo, invocando antecessores, como Flaubert, ironizando suas próprias escolhas narrativas e misturando reflexões sobre o processo de redação do livro, comentários de tom autobiográfico (ou autoficcional) e referências da historiografia e da literatura. Não é simples caracterizar HHhH como romance histórico. A exemplo de A sangue frio, de Capote, ou mesmo de Os sertões, de Euclides, o livro de Binet parece ocupar um lugar incerto entre o histórico, o crítico e o ficcional em sentido amplo.

 

Raphael Montes (escritor):

Contramão, de Henrique Schneider, foi publicado em 2006. Em maio de 2013, o autor gentilmente me enviou um exemplar. Só em dezembro peguei para ler e, caramba, perdi algumas noites de sono. Ainda que a linguagem rebuscada atrapalhe um pouco o ritmo, Schneider demonstra um raro domínio narrativo ao conduzir o leitor nesse suspense angustiante. Acompanhamos a jornada de Otávio Augusto, um empresário bem sucedido que vê sua vida ser transformada quando, no caminho para uma reunião, atropela e mata duas crianças. A fuga desesperada de Otávio tem desdobramentos imprevisíveis e um final apropriado. No entanto, a transformação mais interessante ao longo das páginas é a que ocorre com o próprio Otávio. Em Contramão, o romance policial ganha mais um bom representante.

 

Emilio Fraia (escritor):

Um conto excelente: “Criação”, do Don DeLillo, do livro O anjo esmeralda. Faz pensar se depois de todos os romances ainda sabemos ler contos; histórias em que uma situação misteriosa é apresentada e cujo sentido não conseguimos identificar, apenas intuir (ou nem isso). No fim das férias, numa ilha do Caribe (perto de Trinidad, Barbados), um casal não consegue voltar para casa. Cancelamentos diários de voos, reservas não confirmadas, bagagem no porta-malas do táxi, estradas sinuosas, piscinas de hotel e um adultério. Uma história que parece ir de nada a lugar nenhum, como todos os melhores contos.

 

Luiz Nadal (jornalista):

Chega de saudade – A história e as histórias da Bossa Nova, de Ruy Castro, foi um paninho úmido sobre a testa no meu primeiro verão no Rio de Janeiro (com média superior a 35 graus). A história da Bossa Nova, reconstruída por Ruy, é quase um romance, melhor bebido embaixo do guarda-sol, o pé enterrado na areia e alguns espetinhos de camarão. Como a senhora biografia que é, cada conversa de boteco, notícia ou boato de bastidor foi apurado pelo autor. A objetividade dos fatos traz uma Copacabana dos anos 50 que deixaria qualquer turista arrependido em gastar suas horas dentro de um shopping center. Nenhum bebum, tiete, músico ou produtor foi deixado de lado desde a criação do 1º fã-clube do Brasil, inaugurado por um grupo de garotas e rapazes em um porão da Tijuca, no verão de 49. Além de mapear cada suspiro provocado pela nova forma de fazer samba, até a chegada posterior das músicas de protesto e festivais da canção, ganham trechos ensolarados os maiores protagonistas bossanovistas, como João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Mas definitivamente são de Joãozinho as histórias mais inacreditáveis, como quando o cantor de Juazeiro arranca um autógrafo de Drummond, ainda anônimo, na Av. Rio Branco. Ou quando deixa Jorge Amado, na companhia de Sartre e Simone de Beauvoir, com o cafezinho esfriando, depois de prometer “Eu já vou!” no telefone. Histórias boas e finissimamente contadas, com o mérito de tornar (quase) compreensível o dono da batida revolucionária de violão. Um livro que reage bem a altas temperaturas e tem o plus de inundar a playlist com repertório abundante de jazz, blues e samba.

 

Miguel Del Castillo (escritor):

Pelo menos para mim, Formas de volver a casa (sai no Brasil em abril pela Cosac Naify) é o melhor livro até agora do chileno Alejandro Zambra, ponto alto de sua escrita econômica, precisa e carregada de lirismo. Trata-se de um retrato da geração nascida durante ou imediatamente antes do regime militar de Pinochet no Chile. O terremoto de 1985 é o ponto de partida da história: o protagonista não sentiu diretamente grandes efeitos dele, e nem da ditadura. Por isso, quando criança, sai pela vizinhança do pacato bairro novo onde mora em busca de um acontecimento qualquer; e, mais velho, interroga os pais e a si mesmo, embrenhando-se por essas memórias para saber, afinal, o que se passou naqueles anos. Os pais foram cúmplices ou opositores do regime – ou apenas vítimas, ou pessoas omissas? É “a literatura dos filhos”, daqueles que procuram observar melhor o rosto de seus pais (“Mas nossos pais nunca têm cara realmente. Nunca aprendemos a olhá-los bem”). “Perguntávamos para preencher um vazio”, diz uma personagem, e acho que é esse o grande mote do livro: encher as páginas com possíveis respostas e especulações. Para saber algo, qualquer coisa. Essa narrativa avança em paralelo com a história do “escritor”, revelando o mecanismo interno do romance, que é a construção de uma memória, um modo de lembrar sabendo pouco ou nada, sabendo pelos outros.

 

Luís Henrique Pellanda (escritor):

Não é um lançamento do ano, nem o melhor livro que li em 2013. Mas foi a minha melhor leitura. Um cigano fazendeiro do ar, a ótima biografia de Rubem Braga escrita por Marco Antonio de Carvalho, ganhou uma nova edição pela Biblioteca Azul, da Globo, revista com capricho pelo jornalista Alvaro Costa e Silva, o Marechal. Carvalho – que, como Braga, também era de Cachoeiro de Itapemirim – morreu do coração em 2007, logo depois de concluir este livro, que lhe comeu dez anos de trabalho intenso e obstinado e levou o Jabuti de 2008. Sobre a importância da biografia e do biografado, não é preciso dizer muito. O livro dá conta não apenas da vida e da obra de Rubem Braga, mas também nos faz entender melhor os caminhos tomados pela política e pela cultura brasileiras até chegarem aqui, onde estamos nós, entre sabiás cada vez mais raros.

 

Gustavo Czekster (escritor):

Entre as leituras que realizei este ano, destaco dois livros. O primeiro foi Contos completos, de Vladimir Nabokov, traduzido por José Rubens Siqueira. Apesar de ser mais conhecido por seus romances, Nabokov teve uma vasta produção contística, que foi inteiramente incluída neste livro, por ordem cronológica. Fica muito clara a evolução do estilo do autor, assim como o aprofundamento humano das temáticas. Nabokov alia a densidade psicológica a um grande lirismo, construindo contos que trazem belas imagens e que mostram outra faceta do seu fazer literário. Não se sai o mesmo leitor após a degustação dos contos de Nabokov. O segundo livro foi Os contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer, com tradução de José Francisco Botelho. Ao preservar os versos decassílabos do original e trazer as tramas pícaras, aventurescas e divertidas da época para a atualidade, é possível perceber os motivos pelos quais o livro de Chaucer não envelhece. Não é tão difícil imaginar o próprio Chaucer deliciando ainda hoje as plateias em qualquer mesa de bar. Impossível ler o livro sem rir, impossível não ficar encantado com o mosaico humano e vivo que salta das páginas. Longe das traduções algo mecânicas de versos que estamos acostumados a nos deparar, Os contos da Cantuária é uma leitura saltitante, vigorosa, e que brinca com o leitor, reforçando a ideia original de Chaucer e dando-lhe um aspecto renovado, ideal para leitores que querem as verdadeiras funções de um livro: entretenimento e reflexão nas doses certas.

Christopher Kastensmidt (escritor):

Em 2013, finalmente cheguei a ler O centésimo em Roma de Max Mallmann, um romance histórico ambientado no século I. É um livraço, um dos melhores que li nos últimos anos. É um livro cheio de ação, humor e fatos históricos deliciosos. Indispensável para fãs do seriado “Roma”, às vezes parece uma nova encarnação daquela série. Vale a pena ler logo este livro: a continuação vai ser lançada em abril.

Também adorei Ouro, Fogo & Megabytes por Felipe Castilho. Este livro infantojuvenil é uma mistura inédita de ação, intriga, informática, filosofia e folclore nacional. Um belo livro para presentear um adolescente ou pré-adolescente que gosta de literatura fantástica ou que se encontra mais viciado em games do que livros.

Para completar, o livro Quatro soldados de Samir Machado de Machado é outra grande leitura. Situado no sul do Brasil do século XVIII, é mais uma recomendação para quem gosta de ficção histórica. Os personagens são intrigantes, e cada um dos quatro episódios que compõem o romance combina-os de forma diferente, para mudar a dinâmica ao longo do livro.

 

Rodrigo Rosp (escritor e editor):

O simpático 2013 começou com minhas primeiras leituras de Paul Auster, e destaco seus gracejos e artimanhas em A noite do oráculo. No segundo semestre, duas grandes obras lusófonas: AzóDezanove e o segredo do soviético, do Ondjaki, romance de sutilezas, com um belo narrador infantil e linguagem dançarina, e O bom inverno, do português João Tordo, um improvável thriller tão transpirante que parece filme. Para fechar o ano, a ótima estreia de Davi Boaventura: Talvez não tenha criança no céu, uma novela que mostra o suingue de romancista desse carismático baiano.

Rogério Pereira (escritor):

É isto um homem?, Primo Levi (Rocco). Ninguém sai impune deste relato assombroso de Primo Levi sobre os 11 meses que sobreviveu em Auschwitz, de fevereiro de 1944 a janeiro de 1945. Me parece leitura obrigatória para se mergulhar um pouco mais na escuridão da alma humana. Sem ser piegas ou melodramático, Levi relata o que o homem é capaz de suportar em busca de uma mínima esperança de vida. Do outro lado, vislumbramos a capacidade do homem de massacrar o semelhante guiado por uma ideologia estúpida – como foi o nazismo. Reli este livro em 2013 e tenho certeza de que o relerei muitas outras vezes ainda. Nesta segunda leitura, numa fase mais adulta, a narrativa de Levi teve um impacto muito maior do que na juventude. O espanto de cada linha me acompanhará vida afora, me alertando da fragilidade e, ao mesmo tempo, da força destes poucos dias que passaremos por aqui.

Reginaldo Pujol Filho (escritor):

Quando tu tem uma pilhinha de livros e polígrafos pra ler pro mestrado, um texto sobre o Pepetela pra entregar e, num sábado de tarde, comete a bobagem de abrir ao acaso um outro livro, só pra ver como é que começa e, sabendo que é bobagem, sabendo que não pode, mesmo assim não para e não para e não para e descobre que chegou na página 70 ou mais, quando isso acontece, acho que tu tem aí a melhor leitura do ano, não? Precisa dizer alguma coisa mais sobre o Barreira, do Amílcar Bettega Barbosa? Se precisa, não sei. Mas que tem mais pra dizer, ô, se tem. Primeiro, o jogo de narradores dessa primeira parte que me sugou. É um verdadeiro buraco-negro pra quem gosta de linguagem. Segundo, o jogo incrível que Barreira faz com toda sorte de clichês (de linguagem, de turismo, de literatura). Terceiro, o talento do Amílcar pra nos lembrar da fraqueza da palavra ao fazer um livro como quem faz escultura, importando tanto (ou mais) o que foi retirado, o que não sê vê, o que não é dito, os vazios. Quarto, é um livro que, em muitos e profundos níveis, nos põe em confronto com a linguagem (da literária à cotidiana), o desafio de viver e de escrever – e querer entender essa zorra toda. Quinto, é que é, desde 2006, esperava o novo livro do Amílcar e, quando SETE anos depois ele surge, ele não frustra, pelo contrário, supera a expectativa, surpreende o eu-leitor, me dá gosto de ler e me emociona, vejam só, pela forma. E há mais pra dizer sobre Barreira, mas o próprio livro nos ensina: nunca diremos tudo.

E apesar de terem me pedido um parágrafo, não resisto a 3 menções honrosas: A cidade, o inquisidor e os ordinários, do Carlos de Brito e Mello, livro fura-filas, assim como o Barreira. Não resisti a não lê-lo e valeu tanto a pena. Um tapa bem dado na média, um desvio de forma e de tom, ah, o bom humor, a linguagem, grande livro; A descoberta de Manoel Carlos Karam, com Comendo bolacha Maria no Dia de São Nunca, Pescoço ladeado por parafusos e Fontes murmurantes, por motivos muito próximos aos da farsa escrita por Carlos de Brito e Mello; e A decadência da mentira e outros ensaios, de Oscar Wilde. Dá pra recitar hoje parágrafos inteiros do ensaio-título escrito em 1889 e, sem mudar nada, fazer todo o sentido. E, pior, ainda ir contra a maré.

Marcelo Valletta (cineasta e escritor):

GÊNESIS  – Robert Crumb
É bem raro que a leitura mais impactante de um ano tenha sido a de uma HQ, mas aconteceu em 2013. Meu primeiro contato com essas histórias tão influentes na nossa cultura foi na infância, em adaptações fartamente ilustradas (não necessariamente histórias em quadrinhos). Na adolescência, já um ateu convicto e possivelmente inspirado pelas leituras do “East of Eden” de John Steinbeck e do “Esaú e Jacó” de Machado de Assis (e certamente não pela adaptação cinematográfica de John Huston, que considero fraca), li pela primeira vez esses textos na Bíblia, mas em uma versão de luxo, de grande formato e capa dura, também ricamente ilustrada com pinturas. Cerca de 20 anos depois, renovo meu contato com o primeiro livro bíblico em outra versão com texto e imagens, que Robert Crumb demorou 4 anos para fazer. Além da qualidade do traço do artista e da riqueza dos personagens e dos enredos, esta obra se destaca por seus cuidados com a fidelidade aos textos originais e a contextualização após pesquisas (mantidas na edição brasileira), culminando em um produto que respeita leitores de todas as crenças e, espero, desafia quem ainda pense que as HQs são um meio de expressão artística necessariamente menor que a literatura ou a pintura.
Diana Passy (departamento de divulgação Companhia das Letras):
Comecei 2013 lendo “Things You Should Know” (A.M. Homes), e terminei lendo “Sandman” (Neil Gaiman). E pensando agora, essas duas narrativas têm um ponto em comum: fazer você acreditar que, se virar a esquina certa ou olhar para trás no momento exato, pode encontrar algo fantástico.
Segunda parte das Melhores Leituras 2013, aqui.