Sempre achei engraçada a noção de geração. Nunca me fez muito sentido, ao menos quando era mais jovem. Agora, a própria necessidade de, com 25 anos a completar neste mês, me situar em relação aos outros mais velhos e mais jovens – e me definir como “mais velho” em relação a alguns – demonstra que, sim, existe alguma noção de geração que vale a pena usar. Qual seria essa noção? E por que usamos esse conceito para além da questão da idade, para questões até mesmo estéticas (“geração de 45”, “geração de 90”)? Acho que existe aí uma precisão que, talvez, não exista.

Até anos atrás, as pessoas sentiam a vontade de se voltar para os anos 80. Quando digo “as pessoas”, com essa determinação do artigo, são aquelas com que, é claro, estava envolvido no cotidiano, conhecidas ou não, meras figuras musicais ou amigos de colégio. Ainda assim, acredito que, mesmo aqueles que viveram todo o oitentismo na época certa, e não apenas nasceram na década para logo entrar nos anos 90, também têm se visto forçados a buscar algo para se tirar daqueles anos. No meu caso, acredito que até mesmo os anos 90 têm passado por uma brusca reavaliação, como que por uma revelação divina.

Reavaliar tudo também é uma noção para se pensar. O que quer dizer reavaliar? Por que esse desejo por repensar algo de que parecíamos ter alguma certeza? A princípio, podemos mudar de opinião sobre as coisas a qualquer momento, ainda que seja necessária uma certa coerência. Ainda assim, já vivemos essas décadas. Não podemos voltar aos anos 80, por exemplo, para apreender novamente uma experiência direta de vida do período. O mesmo vale, é claro, para os anos 90 e todos os subsequentes. Queremos, portanto, tirar uma experiência indireta de algo que já passou, que, inclusive, podemos ter vivido, como soldados que quisessem voltar à guerra para entender tudo aquilo.

Veja bem: não se trata de arrependimento. Nós, “soldados”, não queremos voltar à guerra para ver por que estivemos lá. Apenas estivemos. Se arrepender, no caso, seria se quiséssemos não estar mais lá de algum modo. Como acho que todo mundo sabe que sobre isso, sobre o simples ato de viver, não podemos voltar atrás, acho que o que queremos realmente é entender o que vivemos, sendo que, na época, talvez estivéssemos imersos demais em tudo aquilo para conseguir qualquer definição.

Mas por que entender? Por que reavaliar? Não sou filósofo, muito menos alguém digno dos conceitos que quero usar a todo tempo, mas acho que, como bons modernos (ou pós-modernos talvez), estamos sempre tentando ser vanguarda. Não se trata de ser conservador; acho que não é o caso de comprar um projeto estético dos anos 80, por exemplo, ou simplesmente tentar pôr tudo o que se desejava na época em prática finalmente, como uma retaguarda. Tudo aconteceu de fato. Queremos ser vanguarda porque, diante da falta de definição sobre o presente e o futuro, a partir das perspectivas vagas que temos a partir do desconhecido, nos voltamos para o supostamente conhecido para dele tirar alguma coisa que ainda nos diz respeito, que ainda pode dizer respeito sobre o hoje e o amanhã.

Agora, voltando para o campo daqueles conceitos filosóficos que uso sem razão, dá para ver que essa apreensão do passado, essa reexperiência que desejamos, não é assim tão apática, tão científica quanto pode ser. Ela é sempre uma ética que queremos do estético. Essa ideia, da ética do estético, fez pleno sentido, como se resolvesse um problema na minha cabeça, quando a vi, por incrível que pareça, em uma orelha de livro, de um romance lançado neste ano – F, de Antônio Xerxenesky. Esse romance, como qualquer pessoa que lê-lo vai perceber, também quer no fundo entender uma geração. O problema é que – sendo um pouco biografista, com licença – o escritor, nascido em 1984, não pode, assim como eu, apenas relatar a experiência direta que viveu da década como adulto; no caso dele, no máximo como criança, caso tenha boa memória.

De qualquer modo, o relato nunca é o objetivo do retorno ao passado. É, como disse, uma busca por uma compreensão do hoje, mas sempre pelas vias das quais dispomos, permeadas, em sua maioria, de uma estética. (Note-se que, inclusive no romance de Xerxenesky, ele escolheu duas epígrafes relacionadas à música eletrônica, ao uso do sintetizador, à ânsia por um sublime vindo do futuro.) Pensando um pouco mais nos tempos mais recentes, podemos ver que boa parte da música dos anos 2000, inclusive, tem algo de oitentista, não importando a vertente. Não sou o primeiro a notar isso, claro. Muitos já notaram, mesmo na época (quando se começou a dizer “oitentista” para essas coisas), mesmo para aquilo a que boa parte das pessoas não estava tão atento. Apesar de já estarmos no tão esperado novo milênio, ainda vivemos todas as rupturas cotidianas da modernidade e continuamos tentando revisitar o passado para, a partir dele, entender o futuro. Não para necessariamente produzir algo; é uma ação que todos fazemos, até mesmo para escolher o que gostar ou não de ouvir na MTV – para citar um exemplo próprio do Brasil a partir dos anos 90.

Agora, já nos anos 2010, dá para ver que os anos 90 estão nessa pauta de reavaliação, até mesmo por meios bobos como coletâneas e rankings do Buzzfeed. Ainda temos certa vergonha de algumas coisas que fizemos ou de que gostamos nos anos 2000, então por que não idealizarmos o que está mais distante, que ninguém mais sente como tão próximo, como os anos 90? Tudo faz parte do ciclo hipster das coisas de certa maneira.

HipsterFashionCycle

Pois é, ridícula essa ideia de um ciclo de moda hipster, principalmente pelo fato que ela só serve para provar – seguindo a lógica deste meu texto, é claro – que o capitalismo já se apropriou desse movimento de retorno ao passado que fazemos. O hipster do século XXI, no caso, por consumismo, por afirmação a partir de sua posição no mundo capitalista, quer a partir dessa visita ao passado retirar algo de lá e ressignificá-lo para, então, ditar alguma tendência e se sentir aceito ou privilegiado em seu meio social. No momento em que algo do passado passa a desfavorecê-lo no campo das relações sociais, muda de estratégia simplesmente. O dito ciclo hipster aí, na verdade, demonstra um outro estágio, menos bonito, dessa marcação geracional sob o capitalismo cultural das coisas.

De qualquer modo, seguimos tentando estar à frente de nós mesmos, quase como profetas da nossa própria vida, buscando determinar a ética de nossos atos com base na visão estética do passado. Para mim, os anos 80, seja a partir da história oficial, seja a partir de Stone Roses (na foto de capa), têm uma imagem que certamente influencia minha apreensão da realidade atual. Pessoalmente, até mesmo parte dos anos 2000 já começa a tomar distância sentimental para começar a ser reavaliado (de acordo com o ciclo hipster, está para se levantar do decline). Já penso em algumas coisas mais marcadas temporalmente, mas, ainda assim, vem a vergonha. Faz parte.

Talvez esteja errado sobre tudo isso. Talvez tudo seja, finalmente, só uma impressão geracional. Se for, me avisem.

 

p.s.: para aqueles nascidos nos anos 80-início dos 90, fica a dica de algo dos anos 2000 marcado temporalmente, uma das muitas coisas que, se escutarmos de novo, pode dar certa vergonha (e levar a certa nostalgia da minha parte, confesso): Klaxons.