Toda vez que estou conversando com alguém novo por aqui e falo que sou brasileira, a reação do meu interlocutor é “mas e a copa do mundo?”. Mentira, a primeira reação é “nossa, você não parece brasileira!”. Ao que tenho vontade de responder com um “juuuura? Você é só a 23718ª pessoa a me dizer isso.” Mas logo depois vem o “mas e a copa do mundo?”.

Digo que sim, dói um pouquinho poder estar no centro do planeta neste momento e não estar, mas eu não iria ao estádio ver os jogos mesmo e, de alguma forma, a Copa facilitou a folga longa. Mais uma vez, o que quero de verdade responder é outra coisa: a única coisa que a Copa mudaria na minha vida é que estaria em São Paulo pegando gringos; para isso a viagem também serve muito bem. 

Faço deste texto minha defesa das meninas que só querem ficar com um estrangeiro por ser estrangeiro. Sou a favor de jogar War (Europa, Oceania e um terceiro continente a sua escolha), fazer álbum de figurinhas, interagir com o mundo. Essa coluna tem sido toda sobre aceitar o que te acontece do lado de fora, pular do penhasco, sair sem mapa, ir para um país minúsculo sem saber o que vai encontrar lá, por que não falar dos estrangeiros com quem eu me enfiei por aí?

As pessoas são ao mesmo tempo muito diferentes e muito parecidas. Acho engraçado quando alguém me diz “ah, quando eu viajo eu gosto de saber como as pessoas vivem, não me enfiar em museu”. Em primeiro lugar porque não dá. Achar que passar uma semana em um lugar vai te dar alguma noção de como a vida lá realmente é, é como pedir aquele sanduíche de croquete que o McDonalds holandês vendia e achar que estou sendo autêntica. Depois porque, exceto por alguns lugares e alguns grupos de pessoas muito específicos, todo mundo vive de forma bastante parecida. As diferenças são sutis demais para que você pegue em uma semana, duas semanas, um mês que seja.

Sair por aí de mãos dadas com um estranho de outro país (olha o eufemismo!) é se enrolar um pouco nessas sutilezas. Demorei essas seis semanas pra aprender, mas finalmente entendi que se um cara sorri pra mim no bar, é bom eu me preparar para ficar acordada até as 5 da manhã porque vai demorar. Aprendi que americanos, ou gente que mora nos Estados Unidos, realmente passa uma noite toda sem fazer nada e só te beija quando te levou na porta de “casa”.

Foi saindo com gente por aí que vi um céu impossível de estrelas em uma colina na Capadócia. Que ouvi histórias de como se cruza do México para os Estados Unidos de coiote, que aprendi que em Luxemburgo não se fala francês, ou holandês, como eu achava, mas luxemburguês mesmo. Aprendi que o Drina é um rio na Sérvia e uma marca de cigarros e que Ivo Andric, um homem que ganhou o Nobel, escreveu sobre uma ponte dele. Por isso pseudo-intelectuais, ou intelectuais, ou advogados metidos a hipster, da Bósnia fumam drinas. Aprendi que boa parte da população que fugiu durante a guerra dos anos 90 foi para a Turquia, algo de que eu não fazia ideia.

Aprendi coisas consideravelmente mais inúteis, como por exemplo: de fato usam chapéu e bota de caubói para ir à balada no Texas. Depois dessa informação, tentei explicar o que era um coxinha, com sucesso duvidoso. Já estive muitas vezes ouvindo sobre a vida em lugares comuns e ao mesmo tempo estranhos, ganhei olhares de reconhecimento e estranheza ao contar quem eu era, o que eu fazia, como é a vida lá de onde eu vim. Eu e todos os homens que me pagaram cervejas em bares do mundo somos iguais, em última instância, mas diferentes. Jamais apresso um deles, mesmo que eu ache que ele vai levar a noite toda para chegar em algum lugar; gosto de descobrir o seu ritmo, como ele está acostumado a fazer as coisas.

Também tenho as maravilhosas histórias de que são feitas as conversas de bar. As lindas histórias que você tem só por ter, as coisas que você faz só para dizer que fez, porque é divertido, porque não tem motivo nenhum para não querer ficar com um australiano só porque ele é australiano.

Tenho a história de como achei que sexo no chão da colina da Capadócia era uma ótima ideia, mas acabou sendo um pouco frio demais e fui levada para “um hotel onde um amigo meu é recepcionista, ele arranja um quarto, amanhã é só dar uma espanadinha na cama antes dos hóspedes chegarem”.

Ou como tenho certeza de que saímos sem pagar por quatro cervejas e uma dose de rákia em um bar subterrâneo de Sarajevo e então tentei traficar um homem para dentro do meu quarto de hostel, onde até aquela manhã não tinha ninguém. O tráfico deu errado (não sirvo para coiote), uma diária foi paga com a frase “eu sou um advogado, posso pagar, pagaria até mais” (fica aqui a informação para os outros advogados com quem convivo) e só depois de um considerável barulho eu percebi que então… Tinha uma outra pessoa dormindo ali sim. Se a outra pessoa ainda não tinha acordado, meu acesso de riso quando percebi fez o trabalho.

Já me enfiei no banheiro de um bar de hostel com alguém que possivelmente tem parentescos com a família real de Luxemburgo (mais da metade do país tem). Aliás, Luxemburgo tem menos habitantes do que a cidade onde nasci. Me diz se precisa de mais motivos do que poder dizer “me enfiei em um banheiro com um luxemburguês, não, até ontem eu nem lembrava que esse país existia”.

Sou muito a favor de se fazer as coisas só para poder dizer que se fez. Só pela lista de aleatoriedades que passamos. Se parte do turismo é sair provando comidas nunca vistas, qual o grande problema de fazer o mesmo com moços/moças/etc?

Encare como experimento antropológico. Como forma de ouvir sobre a vida em cidadezinhas turísticas da Turquia, a vida sob o cerco de Sarajevo, o tédio absurdo de Salzburg e como austríacas podem ser frias na hora de partir um coração. Ou como uma propaganda pela paz e convivências mundiais: eu, judia, já estive com dois muçulmanos e um austríaco. Quase um comercial da benetton sobre superar as diferenças. Já ganhei uma lista enorme de filmes mexicanos porque disse que adorava o Diego Luna e logo depois fui lembrada da existência de Calle 13 e obrigada a recordar os tempos em que dormia em acampamentos do Fórum Social Mundial.

Continuo na campanha de que o mundo é mais legal quando você diz sim para coisas completamente aleatórias. Ou gente completamente aleatória.