por Letícia Simoni Junqueira

Sexta-feira é o dia em que as crianças podem ir sem uniforme pra escola. Os meninos vão vestidos como crianças normais, as meninas vão vestidas de princesa. Sempre. Não com uma roupa genérica “de menina bonita”, não. Uma fantasia. E são chamadas de princesa. Princesinha.

O problema era que, para eles – para o tio Ben e sua mãe, e talvez até mesmo para o tio Paul – Frankie ainda era a princesinha.
Não uma pessoa inteligente, com senso de direção e capacidade de usar um celular. Não uma pessoa que poderia resolver um problema.
Nem sequer uma pessoa capaz de caminhar quinze quarteirões sozinha sem ser atropelada.
Para eles, ela era a princesinha.
Inocente.
Precisando de proteção.
Inofensiva.
 

Quando li esse trecho, logo no comecinho de O histórico infame de Frankie Landau-Banks, da Emily Lockhart, meu coração se encheu de amor. A percepção de que ser princesa não é exatamente elogioso, ainda que seja o mais comum dos “adjetivos” ditos às meninas. Elas são sempre lindas (mesmo as feias; você sabe, mulher feia não tem serventia, então assegure-se de ser linda). Os meninos são fortes, inteligentes, espertos e dominarão o mundo. Elas, quem sabe, dominarão seus maridos – risadinhas.

Então vem a história dessa menina de 15 anos que começa a se perceber inferior intelectualmente só por ser mulher. Que começa a entender que ninguém espera nada dela, a não ser que ela se mantenha bonita e não crie problemas. Que, mesmo que ela seja realmente inteligente, sua cabeça não foi feita pra se preocupar. Não, princesinha.

A trama acontece na escola Alabaster, quando Frankie se sente subestimada por não poder fazer parte da Leal Ordem dos Bassês, uma sociedade secreta do qual seu namorado faz parte e da qual só meninos participam. E resolve mostrar que ela é sagaz o bastante para fazer parte de qualquer grupo.

Frankie discute contra o pensamento homens versus mulheres durante o livro todo. Argumenta que fatores biológicos não interferem nessa polarização, que é pura convenção social. Combate o preconceito que começa em casa, onde ela é sempre a princesinha.

Eu me pergunto o que a leitura desse livro teria feito na minha cabeça se eu o tivesse lido com a mesma idade da protagonista. Talvez me sentisse acolhida. É difícil ter 15 anos: tudo é tão intenso e tão mais sofrido do que poderia ser. É ainda mais complicado quando você é menina e percebe que o mundo em que você está foi feito para favorecer o sexo oposto.

Eu tenho vontade de abraçar Frankie Landau-Banks. Meu livro favorito na infância era Procurando firme, da Ruth Rocha, que contava a saga de uma princesa que percebia como era chata essa vida de ficar sentada esperando príncipe encantado – o que já era uma narrativa sobre igualdade entre sexos. Mas, quando cresci e comecei a ler livros sem figuras, me agarrei a uns romances melosos que só exaltavam o papel de mulher sofredora esperando ser salva. Talvez por morar em cidade do interior e por esse tipo de ideia “avançada” não ser totalmente bem-vinda. Talvez porque eu recorresse à biblioteca da minha escola em cidade pequena.

Mas minha filha tem três anos e já tem uma lista do que meninas podem ou não fazer. Três anos. Nós explicamos que meninos e meninas podem fazer as mesmas coisas. A professora da escola também tenta. Secamos a boca de tanto falar a respeito. E dali a dois dias ela está dizendo “eu vou encontrar uma fada madrinha e pedir pra ser menino, então eu vou poder fazer kung fu”.

Suspiro.

A verdade é que Frankie não é uma princesa: é uma feminista. E não com os rótulos comumente associados ao termo – feia, mal comida, lésbica. Ela namora um dos meninos mais populares da escola. Ela é bonita. Ela quer ser aceita, como toda pessoa de 15 anos.

A grande diferença é que Frankie percebe que é mais do que isso.

O histórico infame de Frankie Landau-Banks devia ser obrigatório em famílias com princesinhas. E é uma delícia se você quiser que alguma menina se sinta importante.

 

Sobre a colaboradora: Letícia Simoni Junqueira é jornalista, designer e mãe da Alice. Pensa com o coração e ama com o fígado. Escreve no www.chatice.com.br e você pode segui-la no @lelecajun.