É inegável que Christopher Nolan, com a trilogia Batman e A Origem, recuperou um pouco da grandeza do Cinema perdida desde o crepúsculo da Era de Ouro, tempo que das produções de tamanho inconcebível como …E O Vento Levou (1939), Ben-Hur (1959) e Cleópatra (1963). Certamente ele não é o único megalomaníaco bem-sucedido dos tempos atuais (alô, James Cameron!), mas seu estilo de filmar (em 70mm), o tamanho de suas produções, a constelação de seus casts e seu alto apelo de público têm resultado em verdadeiros filmes-eventos.

Hoje, Nolan é um dos poucos realizadores que consegue sempre nos garantir uma experiência cinematográfica; para tanto, não tem pudores de se valer do robusto orçamento da Warner, da mais alta tecnologia de pesquisa e filmagem e em fazer seu público desembolsar um pouco mais para acompanhar seus projetos nas salas mais caras do circuito, especialmente em XD e Imax.

Com seu irmão, Jonathan Nolan, Christopher parece ter chegado à fórmula ideal de um roteiro de ação hollywoodiano, somando a teoria da jornada do herói de Campbell e Vogler1 às lições de roteiro do professor Robert McKee 2. Assim, mesmo ainda tendo sucesso, um olhar mais atento revela que suas histórias se parecem cada vez mais com pequenas variações de uma mesma composição, mantendo a mesmíssima estrutura e até o tom dramático, em que as alterações se dão apenas em aspectos do conteúdo.

Em seu novo filme, Interestelar, estrelado pelo agora oscarizado Matthew McCounaughey, embora a trama seja recheada pelas mais refinadas teorias da física, mergulhando (literalmente) na relatividade, em buracos negros e buracos de minhoca, a estrutura dramática é especialmente semelhante à de A Origem e o formato já começa a demonstrar cansaço. Em ambos os filmes (e também no último Batman, de 2012), tem-se um herói decaído com alguma fraqueza sentimental, seja a namorada/esposa morta (Batman e A Origem), seja a filha superapegada (Interestelar). Esse herói, então, tem de afastar-se um pouco do sentimentalismo a fim de curar as feridas e lutar por um bem maior (jornada do herói). Dividido em três atos, esses filmes têm suas grandes crises geralmente no final do segundo ato (a perda de Cobb no mundo dos sonhos, em A Origem; a prisão de Wayne no Poço de Lázaros, em Batman), seguido por um plot twist arrasador, que recupera a trama de maneira épica – normalmente ao som daquelas buzinas de caminhão que Nolan adora usar em suas trilhas.

Em Interestelar a história começa acompanhando a vida difícil do fazendeiro Cooper (McCounaughey), ex-piloto da Nasa, viúvo e pai de dois filhos, que tenta cultivar alimentos num mundo distópico de agricultura estéril e atormentado por tempestades de areia. Ao cruzar com um drone indiano próximo a sua propriedade, ele é levado a um esconderijo da Nasa onde se desenvolve um projeto de exploração intergaláctica, que busca um novo planeta para a raça humana. Cooper então é recrutado para a missão, partindo para uma aventura que supera os limites do tempo e do espaço e promete muitas reviravoltas.

Louvável a ideia dos irmãos Nolan, que já nos brindaram com o melhor filme de super-herói e um dos thrillers psicológicos mais interessantes dos últimos tempos, de desta vez levar o grande público ao universo da física teórica, tirando-nos do asfalto de um mundo tridimensional e levando nossa imaginação a fronteiras ainda inexploradas. Dizem que Nolan sempre fora um entusiasta da exploração espacial e que muito lhe preocupam os seguidos cortes de orçamento que a Nasa tem sofrido nas últimas gestões presidenciais estadunidenses. Assim, a frase que estampa o cartaz do filme é a síntese de seu pensamento sobre o assunto: “A humanidade nasceu na Terra, mas nunca esteve fadada a morrer aqui”. Para ele, explorar o espaço é uma questão de sobrevivência.

Afastando-nos um pouco da discussão sobre a função e viabilidade da exploração espacial, o que quero destacar aqui é que o maior valor dessa obra está em representar na grande tela toda uma teoria espacial, com certas doses de boa ficção e também muita ciência, desmembrada em detalhes perante a audiência. De fato, trata-se do primeiro filme grande a abordar em profundidade os temas mais pungentes da Física atual, como os buracos negros, buracos de minhoca, teoria das cordas, da relatividade e outras dimensões. Em termos técnicos, mais uma vez sua realização é de um primor ímpar até mesmo para termos hollywoodianos. A estruturação do buraco negro fundamental à trama é das mais acuradas já vistas pela ciência, um esforço em conjunto entre os magos dos CGIs (computer-generated imagery) e os gênios da física, que foram consultores do roteiro, como Kip Thorne.

Já em termos dramatúrgicos, os irmãos Nolan infelizmente não conseguiram (ou não quiseram)  fugir daquele clichê idealista que ainda vê os Estados Unidos como pioneiros da humanidade, guias em quem todos nós confiamos para nos redimir, proteger ou salvar, e que tantos frutos já deram no Cinema (de Independence Day, 1996, a Gravidade, 2013). Contudo, aqui eles perdem a mão, tendendo muito ao melodrama, especialmente num primeiro ato realmente mal ajambrado, que parece mais um roteiro ainda em fase de tratamento.

Contudo, a  história se recupera, especialmente quando Cooper e sua equipe partem para outra dimensão e visitam novos planetas. Curioso é perceber que mesmo passados quase cinquenta anos desde 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968), não há como se fazer um filme espacial sem prestar algum tributo à grande obra de Stanley Kubrick. Aqui, Nolan usa descaradamente uma trilha sonora de teor dramático muito semelhante aos acordes de 2001, além de takes espaciais e da própria inspiração para as naves. Tributo maior, contudo, aparece nos robôs TARS e CASE, claramente inspirados nos monolitos de 2001 e que também são como que “a versão Nolan” de R2D2 e C3PO de Star Wars (1997), funcionando (não muito bem) como alívio cômico à trama – na verdade eles se parecem mais como geladeiras gigantes e são realmente bizarros.

Por fim, acredito que existem dois problemas de grandes dimensões que fazem de Interestelar o filme mais fraco de Nolan, embora seu projeto mais audacioso e com qualidades inegáveis: o primeiro está na repetição do estilo de filmagem, na fórmula evidentemente requentada de contar uma história, que em muitos momentos incomoda pela semelhança com cenas já vistas em A Origem e Batman, desde a fotografia escura-azulada, até a estrutura do arco narrativo. A segunda está na escolha do elenco, que exagera nos nomes de peso, por vezes desperdiçados em papeis secundários mal desenvolvidos (novamente, culpa de um roteiro que parece ainda pouco maturado), como Casey Affleck que vive Tom, filho de Cooper, e até Michael Caine, fiel colaborador de Nolan. Somados a Matthew McConaughy e aos dois supracitados, estão ainda Anne Hathaway, Matt Damon, John Lithgow (de Dexter), a excelente Jessica Chastain e até Ellen Burnstyn (que somam 23 indicações ao Oscar!).

Assim, o novo filme de Christopher Nolan não constitui uma derrapada em sua carreira e tampouco de seus atores, mesmo estes parecendo pouco motivados, não desempenhando grandes variações do que já vimos anteriormente (especial crítica a Matthew, que tem criado um maneirismo de atuação em papéis de rapazes do interior). Voltando a Nolan, sua filmografia ainda merece ser acompanhada de perto, seu primor técnico e criatividade tecnológica ainda devem ser reconhecidas. Trata-se, porém, de um projeto falho na perspectiva dramática, cujo roteiro parece finalizado às pressas, deixando gorduras que confundem o espectador e não consegue chegar a resoluções necessárias que simplifiquem essa trama tão pretensiosa, que visa retratar o inóspito tema da física.

Em resumo, aqui parece que o Nolan inventor cinematográfico suplantou o Nolan diretor, seus takes são menos imaginativos, mais repetidos e cartesianos. Ainda assim, é bom saber que o Cinema conta com empreendedores autorais, que se esforçam para contar histórias imaginativas e têm boa mão para nos deslumbrar diante da tela grande.

  1. CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo, Editora Cultrix/Pensamento, 1995. VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor. Rio de Janeiro, Ampersand Editora, 1997
  2. MCKEE, Robert. Story – Substância, Estrutura, Estilo e os princípios da escrita de roteiro. Curitiba. Arte &Letra, 2006.