Dia 3: Nuvens Metafóricas

Ontem aconteceu uma coisa muito bizarra. Aparentemente eu abri uma Caixa de Pandora ao elogiar a atuação de Kristen Stewart em Acima das Nuvens (Olivier Assayas, 2014) no twitter: algumas horas depois, várias fãs da Kristen (boa parte delas usando avatares com fotos da atriz) haviam me favoritado e retuitado. Ao relatar o ocorrido para um amigo, fiquei sabendo que a mesma coisa aconteceu com o Mike D’Angelo em Cannes. Fica a dica: cuidado com o que você fala sobre a Kristen Stewart no twitter. Se essa é a reação positiva, imagina a negativa.

Essa situação é curiosamente pertinente, pois a cultura de celebridades no mundo digital é uma parte importante do filme. A história acompanha Maria Enders (Juliette Binoche), uma atriz de sucesso que viaja com sua assistente Valentine (Stewart) para Sils Maria, na Suíça, onde o dramaturgo que descobriu Maria quando jovem acabou de morrer. Um diretor aclamado está produzindo uma nova montagem da peça que fez Maria famosa 20 anos atrás, quando ela interpretou Sigrid, uma jovem que seduz e manipula sua chefe Helena, eventualmente levando-a ao suicídio.

Maria é convidada a viver Helena, e ela não fica muito feliz com isso. Obviamente, o papel de Helena, uma mulher de 40 anos, é uma constante lembrança de que a juventude de Maria há muito ficou no passado, e ela tenta racionalizar esse sentimento de diversas formas. Eventualmente ela aceita o papel, e a maior parte do filme envolve Valentine e Maria sozinhas na casa do autor da peça, lendo as cenas e discutindo os significados do texto. Maria luta constantemente contra a ideia de interpretar Helena, frustrando-se com o papel e encontrando defeitos na peça que não imaginava quando tinha 18 anos.

Ou seja, é um filme sobre a passagem do tempo, sobre como as nossas interpretações das coisas mudam conforme envelhecemos. O título se refere a uma formação de nuvens que serpenteia pelas montanhas de uma forma curiosa e parcialmente inexplicável. O autor da peça possuía uma cópia de um filme mudo sobre essas formações, e sua viúva contribui com a significativa informação de que aquelas imagens têm mais de um século de existência.

Há paralelos tanto entre as duas mulheres da peça e as duas mulheres do filme quanto entre as duas mulheres do filme e as duas mulheres da vida real. Há algo de Sigrid em Valentine, assim como há algo de Helena em Maria, e é impossível não enxergar um ângulo metalinguístico onde Juliette Binoche e Kristen Stewart estão basicamente interpretando versões de si mesmas (uma menção a lobisomens fez a plateia gargalhar). Para o crédito de Assayas, ele não força esses paralelos, deixando a história fluir naturalmente a partir das interações entre as duas.

Chloë Grace Moretz, no papel de Jo-Ann Ellis, a jovem atriz contratada para viver a nova versão de Sigrid, é o elo fraco do filme; ela simplesmente não convence como uma faux-Lindsey Lohan que vive se envolvendo em escândalos com drogas e paparazzi. Em um dos muitos momentos em que pessoas pesquisam sobre outras pessoas na internet, Maria assiste a uma entrevista na qual Jo-Ann parece estar levemente chapada e dá respostas irônicas sobre os prejuízos que suas peripécias causaram em uma produção. Moretz se esforça, mas não consegue evitar a sensação de que estamos vendo uma pré-adolescente brincando de “adulta decadente.”

Jo-Ann, obviamente, só faz filmes de super-heróis. Uma fascinação com a cultura pop, que pode envolver farpas na direção de Hollywood, não é nada de novo para o Assayas. Irma Vep tinha o jornalista irritante que não parava de falar de Van Damme e John Woo. Demonlover envolvia animes eróticos e tinha uma citação a X-Men perto do final. Acima das Nuvens utiliza a palavra “mutante” mais ou menos uma dúzia de vezes e gasta vários minutos em uma cena propositalmente ridícula de um filme-dentro-do-filme envolvendo super-heroínas espaciais, que Valentine e Maria assistem (em 3D, claro).

Há algo de desprezo nessa sátira, mas Assayas abre espaço para certo equilíbrio, com Valentine argumentando de forma articulada em defesa do subtexto existente no filme a que ela e Maria acabaram de assistir, indicando que arte é uma questão de interpretação, e conforme ficamos velhos nos tornamos naturalmente menos abertos a coisas novas. As intenções são boas, mas o efeito é parcialmente negado pelo fato de que a cena que vemos faz o filme fictício parecer completamente horrível.

A ideia é mais bem reforçada quando um diretor relativamente jovem aparece com uma proposta para Maria, um filme de ficção científica em que ela interpretaria uma criação genética. Maria argumenta que esse papel deveria ir para alguém mais jovem, como Jo-Ann, mas ele discorda, dizendo que não se impressiona com Jo-Ann e despreza toda essa cultura de celebridades da qual ela faz parte, acrescentando que, ao invés de ser jovem ou velha, a protagonista de seu filme “não tem idade.”

***1/2 Cúmulos Nimbus