Nesta quinzena, apenas dois dos nossos participantes dão seus testemunhos. Bruno está precisando lidar com seu acúmulo de livros de outra maneira: abrindo caixas de mudança. Já Raquel está com seus livros na corrida vida de professora. Mas e o que andam fazendo Arthur e Daniel?


Arthur Tertuliano

It’s not that I’ve been dishonest. It’s just that I loathe reality.

(GAGA, Lady. Marry The Night: The Prelude Pathétique.) 

Semana passada, me apressei para escrever o relato da quinzena pouco antes de me vestir pro trabalho, bem de última hora mesmo. Nesta semana, escrevo logo após um plantão de final de semana, já despido para aguentar o calor. Isso há de fazer alguma diferença. 

Fato curioso: quando saí do armário, achei que não precisaria mais mentir ou omitir na vida. Juro. Chega a ser risível, mas o alívio é tão grande depois que uma mentira absoluta deixa de fazer parte da nossa rotina que as mentiras pequenas parecem todas desnecessárias. No divã, no entanto, o papo é outro: às vezes, até a analista eu tento tapear. No geral, o foco é enganar a mim mesmo. Nisso sou bom, infelizmente. 

Pois voltemos à semana passada. Falei da meta do Goodreads como gatilho de ansiedade, mas não falei de como não tenho marcado como lidas as obras que gerem alguma controvérsia. Basta comparar os sete que constam lá (estou com três de atraso para a meta) com todos os que cito aqui e atualizo no meu Twitter. Sim, 33 anos na cara e ainda acho que vai aparecer alguém e dizer: “Ah, leu livro curtinho pra fazer número, né? Safado!”. Ao mesmo tempo que defendo e amo os livros que leio, sei que o medo de ser julgado por gente cult me impede de usar direito uma rede social.

A mesma coisa vale para o Dykes, que mais uma vez aparece listado como “Estou lendo”. Posso sentir o cheiro do mesmo babaca chegando no meu cangote e dizendo: “Pô, não consegue terminar um livro de tirinhas?”. Ele já aproveita pra dedurar que devolvi A canção de Aquiles para a biblioteca sem terminar (não consegui renovar on-line), porque não dou mais conta de uma leitura de fôlego.

Percebi que a melhor forma de calar essa voz é: lendo. Quando não estou fazendo isso, mas pensando em como sou visto enquanto leitor, a voz vem e faz o estrago. Por isso, tenho curtido tanto ser um leitor comum, sem compromisso de resenhar o que leio. Outra forma excelente de esquecer o crítico imbecil é: conversas entre amigos (não o livro da Sally Rooney, que quero tanto ler). Falar com amigos que também gostam de ler tira muito do peso e seriedade da literatura. A roda de amigos, mesmo que no zap, ajuda a lembrar que ler é diferente de estudar, que ler é divertido, sabe?

Tenho para mim que quem está acompanhando até a sexta quinzena do Adeus às Traças já pode ser chamado de amigo. Faço aqui um acordo com vocês: serão tratados como tal. E com a mesma sinceridade que digo que estou amando escrever quinzenalmente aqui, eu me comprometo a largar mão de ser poser, a não ficar com vergonha das coisas e a trazer nada além da verdade nua e crua. Tal como estou agora.

Livros lidos: Uma irmã, de Bastien Vivès; Toda magia, de Johnatan Marques. Estou lendo: The Essential Dykes to Watch Out For, de Alison Bechdel; A canção de Aquiles, de Madeline Miller. Livros que quis comprar: Aranhas, de Carlos Henrique Schroeder.


Daniel Falkemback

Nas últimas semanas, andei meio doente. E, ao contrário do que poderia se esperar, li pouco. Não sei vocês, mas quando estou mal só quero ficar letárgico, jogado numa cama, esperando o tempo agir (para bem) sobre o corpo.

No entanto, antes desses dias de malaise, peguei emprestado de uma amiga o Corpo outro, livro de poemas da Vanessa C. Rodrigues e ilustrações da Ana Paula Málaga. A combinação dos trabalhos dessas duas mulheres em uma só obra é bem interessante.

Também terminei de ler e resenhei aqui no Posfácio Esta casa malsã, do Sergio Maciel, amigo poeta que elaborou um poema lírico-dramático curto, mas instigante. É uma leitura que apreciei em especial pela relação com a tragédia grega (em especial com Eurípides) e com a política (não necessariamente a nacional, mas também, se você ler bem).

Além disso, avancei no Closer, do Dennis Cooper, e no infinito Guerra e paz, do Tolstói (tantos dilemas na vida da aristocracia russa!), e comecei Solombra, um dos últimos livros da Cecília Meireles, que estou lendo para o já mencionado clube de leitura do Prêmio Jabuti.

Nesses tempos, além de dores e leituras, andei pensando na própria experiência do Adeus às Traças. Várias pessoas têm vindo me contar de casos parecidos, de um conhecido que decidiu evitar compras, de alguém que quer só ler o que tem em casa.

Acho ótimo esse momento de repensar a nossa ligação com os livros. Sempre digo para meus amigos que, mesmo que não queiram parar totalmente de fazer aquisições, é importante refletir sobre por que estão comprando tanto, se for o caso. Acho engraçado também como há pessoas que me dizem que não podem comprar livros, que se veem impossibilitadas de ler e dizem que só não fazem isso pela falta de espaço no orçamento. Essa associação entre livro e dinheiro é o que me incomoda.

É claro que, no mundo em que vivemos, o livro é um produto. Ele custa dinheiro, é uma propriedade, ainda que cada vez menos valiosa para quem acha que eles têm “muita coisa escrita”. Entretanto, bibliotecas são acessíveis para muitos, sejam elas públicas, comunitárias, escolares. Amigos podem te emprestar algo para ler. Às vezes, nos mais diversos lugares, livros são oferecidos para doação ou são postos para circulação aberta. Tem também quem abra um volume ou outro em livrarias e sebos para conferir o que acha (ou para ler tudo de uma vez).

Mesmo assim, ainda muita gente associa livro a dinheiro, a gasto. Com certeza, é mais uma consequência da vida profundamente capitalista em que vivemos. Não estou aqui para ser teórico social ou político, é claro. Só digo que minha esperança é que um dia voltemos a ver livros apenas como livros, como objetos (ou arquivos, no caso de um e-book) que nos proporcionam o ato de ler, essa experiência tão única. Talvez esse também seja mais um efeito do Adeus às Traças nas nossas vidas.

Livros lidos: Corpo outro, de Vanessa C. Rodrigues e Ana Paula Málaga; Esta casa malsã, de Sergio Maciel. Estou lendo Closer, de Dennis Cooper; Solombra, de Cecília Meireles; Guerra e paz, de Liev Tolstói. Livros que quis comprar: nenhum.