A Flip começou esta manhã de sábado num tom fanfarrão. E não poderia ser diferente: a Mesa 11, com o tema “Maus Hábitos”, reuniu os “poetas marginais” Zuca Sardan e Nicolas Behr, mediados pelo não menos fanfarrão e não menos poeta Chico Alvim. A amizade entre os três permitiu a levada descontraída do bate-papo e rendeu risadas de todos os lados.

Sardan e Behr são dois poetas rebeldes que, infelizmente, demoraram muito para serem lidos e entendidos. Zuca Sardan ganhou destaque, pela primeira vez, na importante coletânea lançada por Heloísa Buarque, na década de 70, que reuniu os melhores poetas da literatura marginal. Nessa mesma década, Nicolas Behr começava a criar seus primeiros poemas impressos em mimeógrafos e distribuídos por ele mesmo nas ruas. Aliás, Zuca começou da mesma forma, duas décadas antes: mão suja de tinta, cheirando a álcool, criava, além dos poemas, ilustrações deles em seus caderninhos mimeografados que enviava aos amigos. Hoje uma raridade disputada, um luxo.

Ambos os poetas têm uma poesia cheia de atitude e identidade própria – não há como confundi-los. Também criticam o status quo e as caretices da vida: Zuca cria personagens caricatos para zombar da elite (seja ela nobreza, burguesia…). Segundo ele mesmo, sua poesia sempre quis ser contra a imposição da ordem, das regras, e das pauladas da polícia (não podemos deixar de lado o contexto de guerra fria no mundo e de regime militar no Brasil). Sua proposta é de fazer uma poesia lúdica, de brincadeira e de indagação contra todas a ideologias prontas.

Nicolas Behr, como ele mesmo se definiu, sempre quis ser rockstar mas nunca teve talento para a música, então escolheu a poesia, que lhe pareceu mais fácil – “bastava apenas papel, lápis e a criatividade”. Uma das temáticas constantes em sua obra é a cidade de Brasília, que lhe acolheu quando jovem – “saí do mato para cair na maquete”. Seus poemas nos oferecem outros olhares sobre a capital: “Brasília não é só de políticos que andam de jatinho para ver jogo da copa”, alfinetou. Brincando com as manifestações – aliás, um tema que não sai da boca da Flip – o poeta exibiu cartazes mimetizando os protestos, com os dizeres: “Para o poema, vinagre é milagre”; “Todos por um poema melhor do que esse”; “A revolta do poema não cabe no cartão”; “O Brasil acordou e o poema concordou”; “o poeta protesta com festa”; “O poema lido jamais será vencido” e outros tantos.

Em seguida Zuca declamou um de seus poemas (de que infelizmente não sei o nome!), que faço questão de destacar aqui uma frase, das mais hilárias: “o porco é a medida de todas as coisas, mas o homem exagera na dose”. O poeta ainda falou de seu personagem, o Professor Fumé. Depois foi a vez de Chico recitar o poema “Engoli Brasília” de Behr, que deu gancho ao poeta para explicar sua cidade inventada – Braxília – que faz referência a outra capital, a dos porões de rock, da contracultura, da classe honesta e trabalhadora.

E para encerrar a mesa, que foi permeada de gargalhadas, a pergunta-tema: quais eram os maus hábitos conservados pelos poetas?

Sardan brinca e confessa: “sou um colador” e para explicar usa a metáfora do aluno que cola nas provas. Há aqueles que são “cu de ferro”, que leem tudo, decoram e depois repetem igualzinho dos livros, uma decoreba. E há aqueles que colam. Mas o aluno que quer colar, tem que copiar de algum lugar, e copiar bem. Precisa ser bom para enganar o professor, esconder bem a cola, ser criativo e mudar um pouco para não dar muito na cara. E para disfarçar e escapar do professor, acaba criando em cima, reinventando.

Behr admite ser um marqueteiro de marca maior: leva seus livros a todos os lugares, ao final de seu livro sempre há email, telefone e endereço. Para ele, a desgraça do poeta é o ego, é o gostar de ser reconhecido.

Chico Alvim já anunciava: “vamos ter que sair abatidos, só saímos deste palco na semana que vem”, acompanhado de aplausos em pé da plateia. De todos os maus hábitos que valem ser cultivados, a displicência com a pontualidade do término da mesa, para termos um pouquinho a mais de Zuca, Nicolas e Chico, foi muito mais do que bem-vinda.