No primeiro volume desta Torquatália, temos quase toda a diversidade textual de Torquato Neto, poeta, letrista, jornalista que participou ativamente do cenário artístico nacional dos tempos da Tropicália até o seu suicídio, em 1972, no ápice da repressão da Ditadura Militar. O organizador desse livro, Paulo Roberto Pires, faz questão de deixar claro que o objetivo desse volume, subintitulado “Do lado de dentro”, é justamente explorar essa produção variada que Torquato nos legou de uma maneira mais sistemática. Para o segundo volume, ainda a ser resenhado, fica a coletânea da sua produção jornalística, especialmente a coluna Geléia Geral, publicada no jornal Última Hora.

No referido primeiro volume é difícil definir o que é poesia, o que é carta, o que é canção, o que é uma simples anotação. O organizador, é claro, pretendeu realizar esse trabalho – e o realizou bem na medida do possível. O fato, porém, é que por essa Torquatália se percebe como os textos de Torquato são um reflexo do misto entre arte e vida que ele sempre pareceu almejar. Sendo tão diverso na sua produção quanto era na sua personalidade, ele nos mostra pelos seus textos por que acabou por se desvincular de todo e qualquer movimento – inclusive o tropicalista, que tanto ajudou a promover – para seguir seu próprio caminho -, “à margem da margem da margem”, como diz Pires.

A Torquatália pela sua organização nos fornece uma leitura quase cronológica em que se percebe a trajetória do jovem piauiense para a Bahia e para o Rio e acaba vivendo efetivamente a sua época. O volume começa com seus poemas de juventude para, em seguida, já lermos os manifestos tropicalistas que Torquato escreveu. Até aí temos apenas mais um membro da Tropicália, porém quando lemos depois o seu cancioneiro e a sua poesia, percebemos o porquê de ele estar “à margem da margem da margem”, ou seja, longe da esquerda e já longe dos renovadores que esta rejeitou (os tropicalistas). A sua produção poético-musical parece ser bem diversa, indo de poemas de viés concretista até composições premonitórias da poesia marginal das décadas seguintes. Suas tentativas de se enveredar no cinema também são lembradas pelos “roteiros” que escreveu, sendo que um foi inclusive filmado (“O terror da Vermelha”).

Dentre as últimas seções desse volume, lemos cartas e anotações que nos lembram que, infelizmente, o criador muito ativo, que conhecia tudo e todos de sua  época e que acabou sendo censurado e até mesmo internado em hospícios. Ainda que não seja uma biografia, Torquatália nos mostra Torquato Neto em sua evolução criativa e nos dá razão para valorizá-lo como uma figura importante para a cultura brasileira que, assim como muitos, foi reprimida pelo autoritarismo.