É fácil imaginar-se numa América pós-crise de 29, descendente de alemão, com pai autoritário e espancador, espinhas na cara, uma personalidade impassível e o fatídico destino de servir de mão-de-obra barata? Apesar de se achar durão, as garotas do colégio não te olham e apenas os fracassados se juntam para serem seus amigos. Essa parece uma vida dura, mas é exatamente o que acontece com Henry Chinaski, personagem principal de Misto-Quente, romance com toques autobiográficos de Charles Bukowski publicado em 1982.
Acompanhamos Henry numa narrativa cronológica desde o primário até o começo da vida adulta. Logo no inicio mostra seu desprezo pelos colegas da turma, o ódio por ser seguido até em casa, a vontade de se aproximar das garotas e o anseio de conseguir fazer o que gosta. Aliás, essa grande busca por fazer o que gosta, reflete apenas a vontade de ser livre do personagem (liberdade essa que deveria ser fácil na América). A princípio o imenso desejo de ter a casa dos pais só para ele, para desfrutar da solidão. Depois, de forma efêmera, com momentos de rebeldia escondida como fumar ou beber.
Que tempos penosos foram aqueles anos – ter o desejo e a necessidade de viver, mas não a habilidade.
Nessas reflexões sobre liberdade, Henry mostra seu desdém para a entidade familiar: casar-se, ter filhos, emprego e uma casa para morar, outra forma de prisão numa vida planejada e medíocre. Essa ânsia desperta um ódio irredutível pelo pai (o culpado é ele, “ele” merece morrer, e como Henry leu em “Os Irmãos Karamazov”, “Quem nunca teve vontade de matar o próprio pai?”) cada vez que recebe ordens para aparar a grama ou quando apanha no banheiro.
Outra forma de conquistar a sua liberdade é sempre dizendo a verdade, muitas vezes parece cínico, mas em grande parte as palavras que saem da sua boca são sinceridade pura. Cruéis, as frases soltas por Henry são tão impactantes e verdadeiras que tornam-se cômicas (traço marcante na obra de Bukowski) e diversas vezes não estamos rindo dele e sim de nós mesmos. Não existem coisas belas no mundo, talvez as pernas das mulheres que observa, entretanto é só, o resto é podre, fétido e não vale a pena.
Essa coisa de trepar era bacana. Dava às pessoas mais coisas em que pensar.
Bukowski escreveu este romance com mais de 60 anos e mesmo assim esse é considerado base para toda sua obra, o dia a dia trivial descrito de maneira repulsiva, odiosa, mas acima de tudo sincera.
Faz tempo que quero ler Bukowski. Devo começar por esse?
A resenha na parte de trás do livro diz: Quem não leu Misto-quente, não leu Bukowski. Acho que é bem válida essa observação. É um romance considerado o alicerce de toda a obra dele e suas principais caracteristicas estão ai.
Li e adorei. Confesso que não esperava muito do livro, mas agradou muito. Até porque tem algo que aprecio muito em qualquer obra: senso de humor.
Senso de humor que cutuca, né? Muitas coisas que ele pensa muitas pessoas pensam…
Sim, é aquela coisa mais ácida mesmo. Tem essa frase que lembro que fez com que o livro me conquistasse na hora, algo assim “Essa coisa de trepar era bacana. Dava às pessoas mais coisas em que pensar.” lol
Gostaria de entender o final deste livro, não sei se é muita ignorância minha, mas realmente não compreendi se foram usadas metáforas ou um simples desfecho combinava com a estética da obra.
Dos livros que li dele, esse é o que mais me consquistou.
É interessante ver que em meio a tudo que ele passa, descobre na literatura um prazer pouco conhecido entre os jovens.
Me identifico com Henry Chinaski nessa parte.
E bah que nome que Bukowski escolheu:Henry Chinasky o.O