“Se eu penso em uma novela, eu penso novamente em Auschwitz. O que quer que eu pense, eu penso sempre em Auschwitz. Mesmo que eu aparentemente fale de algo totalmente diferente, é sobre Auschwitz que estou falando. Eu sou um meio para o espírito de Auschwitz. Auschwitz fala através de mim. Todo o resto me parece estúpido, comparado a isso.“
Essa citação é de Imre Kertész, escritor judeu húngaro nascido em 1929 e escolhido para o Nobel de literatura de 2002. Sua obra mais conhecida é ‘Sorstalanság‘ (‘Sem destino’) (1975), em que a experiência de um jovem judeu húngaro em Auschwitz. A obra é considerada uma das mais poderosas narrativas sobre o holocausto.
Esse livro também é o primeiro de uma trilogia, composta ainda por ‘A kudarc‘ (‘O fiasco’) (1988)- no qual vê sua primeira obra recusada pela editora e seu ser esmagado pelo regime comunista- e ‘Kaddis a meg nem született gyermekért‘ (‘Kadish para uma criança não nascida’) (1990)- o Kadish é a oração judaica pelos mortos, que no caso é feito para o filho que ele decidiu nunca deixar nascer, devido ao peso do passado.
Kertész foi enviado para o campo de concentração de Auschwitz aos 14 anos mas permaneceu lá apenas por três dias, sendo então enviado para Buchenwald e, apesar de negar que ‘Sorstalanság‘ tenha um grande teor autobiográfico, a experiência foi marcante em sua obra.
De fato, Kertész diz que tudo o que escreveu e que fez depois disso deve-se a Auschwitz. Em Felszámolás (‘Liquidação‘) (2003) chega a afirmar que “nunca se pode abandonar Auschwitz“.
O campo de concentração não aparece em todas suas obras. Porém sua influência é fortíssima e sem dúvida é a isso que se deve o tom amargo e doloroso presente em todo seu trabalho.
Já seu uso da linguagem é simples, porém fragmentado. Ele mesmo disse, em seu discurso do Nobel, que isso se deve à desintegração que a linguagem sofreu no século XX- exemplificando com Kafka e Orwell. Mas isso não significa que suas narrativas sejam simplistas: no já citado ‘Felszámolas‘ Kertész mistura a prosa e o drama, e todas suas obras são recheadas de referências bastante intelectualizadas, como Kant e Nietszche (os quais, inclusive, ele traduziu para o húngaro).
Além de sua obra literária e de traduções, Kertész também publicou diversos ensaios e conferências a respeito da literatura e da morte.
Imre Kertész é um autor pesado, mas cuja leitura é compensadora. E, apesar do fardo que carrega, não é datado: quando pensa no passado, na verdade reflete o futuro. Quando pensa nos campos de concentração, pensa no quão estúpido e sem sentido é o mundo que nos é dado viver, em que sempre seremos estrangeiros.
Obs: Em 2005 foi lançado um filme homônimo baseado em ‘Sorstalanság‘, dirigido por Lajos Koltai. O roteiro foi escrito pelo próprio Kertész e é muito mais autobiográfico que o livro.
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