No meu último post (que, por motivos alheios à minha vontade, foi há mais tempo do que eu gostaria) eu falei sobre o Festival. Eis aqui um resumo póstumo das peças que tive o prazer (ou desprazer) de assistir (ou de tentar).

NERVO CRANIANO ZERO

Um neurocirurgião implantando um chip capaz de aumentar a criatividade, ao som de ‘Total Eclipse of the Heart’. Órgãos arrancados e a ambição literária levada ao extremo. Esses são alguns dos elementos que compõe esse trabalho da Vigor Mortis.
Posso dizer que, de todas as apresentações que já vi do grupo, essa foi a minha favorita. Os efeitos e as projeções bem feitos e bem utilizados, além de todo o talento e empenho do grupo.

MÚSICA PARA NINAR DINOSSAUROS

Peça de Mario Bortolloto, com participação de Lourenço Mutarelli no elenco. Era uma das que eu mais tinha vontade de assistir, mas… o Sesc da Esquina teve problemas com o som e a peça atrasou 4 horas. Como trabalhava no dia seguinte, não pude esperar até que iniciasse, lá pela meia noite.

TRAVESTIES

Primeira montagem da Cia. Ópera Seca desde que Gerald Thomas abandonou o teatro. Continuam bastante competentes, prova de que nem só de Thomas vinha seu talento.

Com texto de Tom Stoppard e direção de Caetano Villela, Travesties é uma comédia sobre a revolução e sobre a arte, em que os caminhos de James Joyce, Lênin e Tristam Tzara se cruzam, gerando uma reflexão sobre a modernidade e, por consequinte, sobre a contemporaneidade. O seu maior problema e seu maior mérito talvez tenham sido os mesmos: a enorme quantidade de referências é genial, mas pode tornar-se cansativa se não for reconhecida.

CINEMA

Uma reflexão sobre algo aparentemente óbvio, executada de modo inteligentíssimo. O público da peça fica frente a frente com o público de um cinema- e apenas os assiste e escuta o audio dos filmes.

Com isso Felipe Hirsch dialoga sobre a própria condição de público e a noção de espetáculo. Existe, afinal, uma diferença entre ver e assistir.

NÃO SOBRE O AMOR

Um poeta russo e seu amor não correspondido. Ela lhe pediu que escrevesse, sim, mas não sobre o amor. Um plot simples, uma história dolorosa. Um resultado excepcional.

O cenário e as projeções são um show a parte. O primeiro consiste simplesmente em um quarto, porém com uma cama na parede, uma escrivaninha em outra e uma porta em outra. Todos utilizados pelos atores, como se estivessem no chão. As projeções primam pela sua qualidade e, por vezes, por serem difíceis de identificar como tais.

Prefiro não falar muito a respeito da peça, de Felipe Hirsch, mas posso dizer que foi a minha favorita de todo o festival.

PSICOSE 4h48

Utilizando de um cenário mínimo, iluminação simples e de Radiohead como trilha sonora, a companhia do diretor Marcos Damaceno conseguiu criar a atmosfera ideal para a encenação desta, que é, talvez, a obra máxima da inglesa Sarah Kane. Uma mulher em um hospital psiquiátrico monologa e discute com seu médico, tentando explicar-lhe (e explicar-se) seu sofrimento. Destaque para a atuação de Rosana Stavis, que inclusive já ganhou um Gralha Azul pelo trabalho.

RUÍDO BRANCO DA PALAVRA DA NOITE

Quando eu acabei não podendo assistir ‘Música para ninar dinossauros’, devido ao atraso, eu acabei trocando meu ingresso para assistir a ‘Ruído branco da palavra da noite’. Poucas vezes na vida eu me senti mal em uma peça como me senti nessa. E não pelos sentimentos que ela me despertou, mas por eu não ter gostado nem um pouco. A ideia parecia genial: uma peça baseada na correspondência entre Tchekov e Stanislávisk à época da estréia de ‘A Gaivota’. Recortes mal selecionados dessa correspondência, atuações exageradas e uma sede excessiva de parecer pós-moderno deram um ar adolescente à montagem, fazendo com que essa fosse uma grande decepção.

O ÚLTIMO CANTO DO BODE, TOMO I: A BESTIFICAÇÃO DE RÔMULO

Performance, xamanismo e pós-modernidade: elementos que participam da composição desse trabalho do grupo curitibano Heliogábalus, quiçá uma das apresentações mais iconoclásticas de todo o Festival. A queda de Roma é recontada a partir de múltiplas perspectivas, que abrem espaço para discussões e interpretações extremamente amplas. Indo fundo na ideia do pós-moderno de que o observador tem um papel determinante a significação das coisas o grupo criou um festim de bizarrias que pode parecer sem sentido e sem ligação: batalhas de detergente e refrigerante, abelhas preparando a rainha para a cópula, caçadas e, por fim, um imperador coroado. A excelência disso não está no que quiseram dizer, mas no que cada um é capaz de entender. Uma peça difícil, para sensibilidades complexas.

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