Apesar de ser um leitor de quadrinhos preocupado com a relação da qualidade com a quantidade do que é produzido, posso afirmar que estou cada vez mais feliz por ver a adesão que as HQs estão tendo dentro do nosso país. Antes o mercado era meio restrito a grupos de autores e leitores com vícios autoafirmativos que, no contexto geral, ajudavam a criar estereótipos, excluindo quem estivesse fora do lugar comum. O leitor já esperava uma obra que tivesse uma carga “cultural” impregnada de clichês sobre a real condição do Brasil ou do seu povo. Ou seja, muitos deixavam de comprar HQs nacionais, porque tinham uma ideia do que estaria escrito e quais pontos seriam abordados constatando a falta de originalidade.

Podem chamar de preconceito, mas a verdade é que esses leitores estavam cansados de ver sempre o mesmo tipo de narrativa e regionalismos exagerados. Todos queriam algo original, porem que mantivesse o espírito brasileiro, e é justamente nesse ponto que a HQ Fractal se diferencia do produtor comum nacional.

Ao abrir as primeiras páginas de Fractal, somos confrontados com uma pequena narrativa que serve como uma ótima demonstração das reais intenções da leitura. Genética, DNA, pequenas partículas quânticas e a geometria dos Fractais são a forma da autora nos dizer que essa vai ser uma leitura no mínimo densa. No mundo dos quadrinhos, tratar desses assuntos sem cair dentro de tramas envolvendo mutantes heroicos ou ameaças alienígenas é um grande desafio, sendo que abordar de forma concisa e interessante, relacionando os mesmos temas com o mundo real, igual a esse em que vivemos, só torna o dificuldade maior ainda.

A trama proposta de início é bem simples: policial da delegacia de homicídios é convocado à participar de uma investigação em conjunto com a delegacia antissequestro. Desaparecimentos estranhos estavam acontecendo com uma frequência grande e só atingiam pessoas nascidas numa mesma data e no mesmo hospital.

Até ai o cenário pode ser considerado normal em termos de história para HQs. O negócio começa mesma a esquentar quando Liel, o policial em questão e o personagem principal, percebe que os desaparecidos além das duas características iniciais tem uma terceira: são gêmeos, mais precisamente a parte masculina de uma casal de gêmeos. Esse é ouro preso nas entre linhas da história de Fractal. O potencial que a história tem de focar em elementos loucos e incomuns como maçonaria, numerologia, fractais e matemática linear.

Liel, quase um super policial, é de longe o personagem trunfo da história e o melhor desenvolvido, todos os outros são apenas sombras de seres humanos reais. Ele tem um passado pouco claro, aliado a um presente fácil de definir como: caótico e pouco feliz, onde seu trabalho serve de fantasma ao mesmo tempo em que o encoraja a continuar vivendo e sua namorada socialight com problemas psicológicos o utiliza como pilar de sanidade. Falando em trunfos, cabe aqui fazer um levantamento dos pontos positivos e motivos de compra de Fractal.

De prima podemos destacar a originalidade em termos de HQ nacional, mesmo que ela possa ser comparada as obras de literatura policial, tão comuns nos anos 50. Os elementos pouco convencionais para nós brasileiros, intimamente ligados a números e citações literárias (O Médico e o Monstro), servindo de gancho para o nível de profundidade da trama, forçam um limiar entre o entendimento sem o auxílio de uma enciclopédia e as pontuações bem construídas atrativas para o leitor. Claro que a boa narrativa é de grande ajuda nessa questão do “entender a trama”, até mesmo porque ela vem à compensar os diálogos pouco estruturados tão comuns na comunicação diária.

Quando o assunto é a arte de Fractal, temos que entender primeiro o valor de uma boa HQ em preto e branco. E não podemos ver a utilização desse recurso, apenas afins de causar uma boa impressão ao publico apreciador. As imagens movimentadas construídas no tom monocromático foram essenciais para criar o ambiente da trama. Os desenhos são bem detalhados e com traços finos, a diagramação é perfeita e bate de encontro com a ideia da HQ ser explicativa no mesmo momento em que propões desafios ao intelecto do leitor. Numa conclusão final, é viável afirmar que foi um trabalho de ilustração bem casado.

Fractal foi editado em 2009 e saiu pela Devir. Escrito por Marcela Godoy e ilustrada por Eduardo Ferigato, fica de indicação para um publico mais adulto, pelas cenas fortes de seminudez e a violência, porém acima desses detalhes, o que faz ser uma indicação adulta é o nível de profundidade do material. Quem quiser mais informações, basta dar uma lida na página da Devir (link: http://www.devir.com.br/hqs/fractal_v001.php) ou comprar a HQ (sem medo) pela Comix (link: http://www.comix.com.br/product_info.php?products_id=10593), o preço é um dos atrativos também.

Sobre o autor: Breno Cavalcante é o Breno C. no Meia Palavra e também pode ser encontrado no blog CSIDES.

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