Um macaco é ferido por caçadores e levado prisioneiro: provavelmente acabaria em um zoológico. No caminho, porém, é submetido a tantos sofrimentos e a estranheza é tanta que Pedro Rubro- este é o nome do simiesco protagonista- toma uma decisão drástica, a de tornar-se um ser humano. Assim, então, Pedro aprende a beber, a fumar, a falar e a pegar em armas.

E é com o ex-macaco contando isso para os estudiosos de uma universidade que se constitui o conto de Kafka, um conto sobre a inadequação e sobre adaptação- que nunca é plena, que nunca deixa de ser mutilante. E é a partir desse conto do escritor Checo que a companhia Club Noir montou a peça homônima ao conto.

A Club Noir foi fundada em 2006 pelo diretor e dramaturgo Roberto Alvim e pela atriz Juliana Galdino, com o objetivo de encenar exclusivamente autores contemporâneos. Essa adaptação kafkiana, porém, destoa de seu objetivo inicial, o que é justificado pela atemporalidade e eminência dramática do texto.

A adaptação é um monólogo em que Juliana Galdino interpreta Pedro, de modo brilhante- não é a toa que lhe valeu uma indicação ao prêmio Shell de melhor atriz. Somando-se à sua impostura vocal e linguagem corporal excelentes, a maquiagem é impressionante e a iluminação apóio tudo isso de maneira fenomenal.

Existe um outro personagem, um guarda, interpretado por José Geraldo Jr., que poderia passar apenas como elenco de apoio, pois não tem falas, nem grandes ações, quase que um detalhe cênico- mas que está lá de modo propositado: Rubro está separado do público por uma faixa e, com o guarda presente, não deixa que os acadêmicos (no caso, o público) esqueça que por melhor que seja sua adaptação ele nunca será um humano verdadeiro, nunca será um de nós.

Captando a essência do conto de Kafka de um modo esteticamente  adequando, o Club Noir mostrou o porque de ser tão elogiado e indicado a tantos prêmios. Sem sombra de dúvida, uma das mais expressivas forças do teatro brasileiro nesse começo de século.

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