“O destino é uma invenção útil dos homens”

Adolfo Bioy Casares é considerado um mestre da literatura argentina, quando o conheci, através de A Invenção de Morel, percebi uma narrativa elegante e instigante, afinal a todo o momento ele nos presenteia com sentenças que brecam nossa atenção no enredo para pensarmos até onde chegamos. O mesmo se repete em “O Sonho dos Heróis”, no qual somos levados até o carnaval de 1927, na Argentina, para tentar desvendar os mistérios que cercam nossas atitudes, nobres ou infantis. E onde o próprio narrador, de maneira arguta, levanta questionamentos diretamente ao leitor.

Emilio Gauna trabalha em uma oficina mecânica e todas as semanas se reúne com um grupo de amigos para beber. No entanto, nenhum deles almeja realizações maiores na vida profissional e pessoal. Dentre todos esses personagens destacamos o Doutor (Valerga) e Larsen, o melhor amigo do personagem principal.

Ao ganhar um páreo nas corridas, Gauna decide, de maneira altruísta, a dividir todo seu montante com seus amigos para celebrar o carnaval, não apenas um dia, mas os três dias regados a bebedeira e bailes de mascarados. Bioy nessa parte da narrativa entrecorta os fatos, apresenta ilusões e sonhos, para confundir o leitor. Quando acordar ao final das festividades Gauna lembra-se de pouca coisa e o que lembra lhe diz que foram as melhores noites da sua vida.

Todavia, os amigos de Gauna ignoram os relatos daquela noite e o ignoram em grande parte dos assuntos. A partir desse fato, Emilio acaba se envolvendo com o Bruxo (Taboada) que lhe solta anedotas sobre seu destino e por um mero acaso, cretino ou não, faz com que o jovem conheça sua filha com quem começa a se relacionar. E a partir desse relacionamento o destino de Gauna muda completamente em comparação com seus amigos, nesses três anos que separam 27 de 30, o personagem principal se apaixona, nutre ambições e uma relação ambígua com Clara (muitas vezes a ama e em outras muitas não consegue entender sua psique e acaba por odiá-la por ser tão amável).

Quem sabe o tom de Buenos Aires, descrente e vulgar, nos enganou.

O que será que influência Gauna a viver entre um presente maravilhoso e um passado cheio de lacunas que dominam o seu futuro? Ao invés de sossegar e agradecer o que lhe foi dado, ele toma uma decisão de reviver cada passo do carnaval de 1927 e assim compreender aonde chegou. Por pouco não percebemos que não se trata de um romance qualquer, a fantasia, o tal realismo fantástico, prega peças na mente do leitor, nesse exemplar, nessas personagens, muito do que acontece se deve ao fator: existe ou não destino? Quem o controla? A inteligência, o raciocínio e nosso credo empregam que papel na jornada da vida?

Mesmo querendo responder, não poderia. O livro não trata de sonhos ou viagens psicológicas, trata da fantástica procura por respostas às perguntas que nem soubemos formular. Gauna é o herói, mas também é o sonho de todos os heróis e seu destino está nas mãos dele mesmo para preencher espaços em brancos e para entender sua jornada. E como sabemos: nenhuma aventura, cotidiana ou fantástica, passa despercebida; existem traumas, perdas e ganhos e cabe a todos nós administrarmos, porque mais cedo ou mais tarde o fatídico destino (maldita palavra) vem de encontro às nossas vidas.