Piotr Poustata- palavra que eu russo quer dizer ‘vazio’- é um poeta de tendências brancas, numa Rússia imediatamente pós-revolucionária. Um antigo colega seu, agora membro da Tcheka, o tenta matar, mas Poustata é mais rápido e, além de se safar, toma o lugar do colega, para poder sobreviver. Algum tempo depois é recrutado pelo comandante Tchapaïev, um homem poderoso e misterioso.

Ou não. Piotr Poustata é um interno em um hospício na Rússia dos dias de hoje, e divide seu quarto com três outros pacientes, todos portadores de algum distúrbio de personalidade dissociativa: ‘Simplesmente Maria’, jovem homossexual que se identifica como uma personagem de novela mexicana e tem uma atração irresistível por Arnold Schwarznegger; Serdiouk, um alcóolatra que tentou cometer harakiri após a empresa japonesa a qual jurou lealdade ter sido subjugada por uma rival; e Volodine, ‘novo russo’, ou seja, um criminoso que, ao censurar seus policiais e procuradores internos buscava a iluminação através do ‘barato eterno’.

Esses dois mundos fundem-se e confundem-se tornando-se um só e trazendo à tona a grande pergunta de ‘A Metralhadora de Argila’, de Victor Pelevin: o que é real? Existe o real? Pelevin não busca responder. Satisfaz-se em apenas lançar as perguntas- o que é bastante bom. Nos delírios de Poustata, é Tchapaïev quem o guia. O mítico personagem da revolução- que desapareceu- é uma espécie de guru alcóolatra, que desvela a verdadeira natureza do mundo para Poustata- ou melhor, que mostra a falsidade dessa natureza. Enquanto isso, Timor Timorouvich, o psiquiatra, tenta fazer com que Piotr aceite a sua realidade como verdadeira. São duas verdades, duas visões de mundo em conflito.

O conflito é também dos dois mundos que aparecem: o recém-nascido mundo dos bolcheviques e o recém-nascido mundo sem os bolcheviques. Através disso, Pelevin reescreve todos os principais acontecimentos da história Russa, desde a Revolução de Outubro e as guerras civis que se seguiram, até acontecimentos mais recentes, como os conflitos de 1991 que culminaram na independência russa (da URSS) e na oficialização do fim do comunismo.

Ele escancara as mudanças que o povo russo- apesar de que, em menor medida, podemos aplicá-las a quase todo o mundo- passou, com o surgimento de uma nova mentalidade, imediatista, individualista e consumista; contrastando com o anterior fanatismo guiado por uma mentalidade de grupo, muitas vezes cega e paradoxalmente egoísta.

Pelevin é um dos grandes nomes da literatura russa hoje, e quiçá da mundial. Sua obra é singular à medida em que aproxima a ‘nova Rússia’ do resto do mundo, escancarando suas contradições- e mostrando que, em dado nível, são problemas não apenas de seu país e de seus compatriotas, mas do homem pós-moderno.

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A Metralhadora de Argila

Victor Pelevin

326 páginas

R$ 46,00