Dario Fo é um dos dramaturgos mais importantes da atualidade,  mas que muitos apontam como tendo textos de pouca relevância no futuro: acusam-no de prender-se demais à acontecimentos, com grandes chances de logo tornar-se anacrônico.

Não concordo com essa visão, no entanto. Mesmo que conhecer alguns fatos possa fornecer subsídios para um entendimento mais completo das peças do italiano, não acredito que sejam pré-requisitos. Como todo bom escritor, Fo atinge o universal desde um universo particular – suas particularidades, porém, não são pessoais e sim temporais.

É isso que acontece em Morte acidental de um anarquista, peça escrita nos anos 1970: Fo nos relata um fato real, passado na cidade de Milano em 1969, e o conhecimento do que está por trás  da obra faz com que certas coisas ganhem mais sentido, mas não é essencial.

O acontecido, aliás, é o seguinte: um agitador anarquista supostamente suicidou-se pulando da janela de um prédio da polícia. Obviamente não se tratava de um suicídio, mas uma queima de arquivo – da prisão acabaria solto, e quiçá seu ímpeto revolucionário aumentasse.

Fo simplesmente aproveitou os eventos e inventou uma sequência de fatos: colocou um louco sendo interrogado pelos mesmos policiais. Um louco bastante esperto, por sinal, capaz de confundir qualquer um com seu uso sagaz da sintaxe e da gramática da língua italiana (felizmente bem capturados na tradução de Maria Betânia Amoroso).

Usando um humor radicalmente político e extremamente inteligente, com toques da comedia dell’arte, um teatro popular de improviso, que traça suas origens à Idade Média.

No mesmo livro – uma edição antiga, parte da coleção Cantadas Literárias da editora Brasiliense – existem mais dois textos, História de uma tigresa e O primeiro milagre do menino Jesus. Apesar do título falar em ‘outras peças subversivas’, é difícil classificar esses escritos como peças, estão mais para contos (apesar de, nesse aspecto, eu acreditar mais na intenção do autor do que em qualquer definição tradicional).

Em História de uma tigresa vemos um soldado americano no Vietnam confrontado por um inimigo muito mais perigoso do que os comunistas ou qualquer outra coisa: uma mãe tigre e seu filhote. Mas os grandes responsáveis pela queda do soldado não são os animais, mas a descrença das pessoas para as quais ele tenta contar sua história.

O primeiro milagre do menino Jesus conta, bem, o primeiro milagre do menino Jesus. Não se trata, porém, de um milagre convencional, e sim da birra de um menino com poderes divinos contra um colega rico, mimado e extremamente irritante.

Nenhum dos textos encontra-se entre as obras-primas de Dario Fo. Morte acidental de um anarquista certamente trouxe-lhe renome internacional, mas ainda assim não é uma de suas obras de maior relevância. O livro, porém, é bastante divertido e mordaz, mostrando ao mesmo tempo a versatilidade e a consistência da obra do autor italiano, prêmio Nobel de literatura de 1997.