O inverno de nossa desesperança foi publicado em 1961, um ano antes de Steinbeck ser laureado com o Prêmio Nobel de Literatura. Nesse livro o autor estadunidense conseguiu adentrar com êxito em um universo particular de um homem pressionado pelo seu entorno social e atormentado por dilemas pecuniário-escrupulosos, usando da narrativa em primeira pessoa para contar a história através dos olhos do protagonista, onde a desesperança do título (retirado de Shakespeare) é mostrada com uma sensibilidade deliciosa.

Tenho um carinho especial por esse livro. Dizer isso soa como se eu tivesse lido ele dezenas de vezes e já o conhecesse há bastante tempo, mas não é nada disso, já que o li não faz nem um mês. O carinho que tenho por esse livro advém principalmente pelo protagonista, Ethan Hawley, que, desde a leitura desse romance passou a ser um dos meus personagens prediletos.

Primeiramente é preciso traçar as linhas gerais da trama: Ethan Hawley é empregado de uma mercearia em New Baytown, onde mora com sua esposa Mary Hawley e seus dois filhos Alen e Ellen. Os Hawleys tem um histórico familiar prodigioso, que conta com piratas e empresários baleeiros, ou seja, Ethan vive a sombra desses grandes Hawleys do passado, tendo que, ainda que implicitamente, cultivar e manter a grandiosidade e a honra de seus antepassados.

Até o terceiro capítulo a narração é em terceira pessoa, onisciente; mas a partir do quarto, o leitor mergulha na cabeça de Ethan Hawley, que passa a narrar suas aventuras e desventuras de modo sardônico e bem humorado, contornando suas mazelas e dificuldades materiais com muita sensatez.

Às vezes os subterfúgios de Ethan quase irritam, e você fica pensando: “Poxa, tu não vê o que é que está acontecendo?”, mas ele está atento a tudo, o bom humor não é uma forma de iludir-se ou escapismo, é a maneira com que ele lida com as adversidades do seu dia-a-dia, embora ele se mostra bastante atormentado em diversos momentos do livro, normalmente quando sai para caminhadas reflexivas noturnas. “Não há espaço para auto-complacência em um Hawley”, Ethan provavelmente diria, mesmo que esse seja um abismo que ele observa (e pelo qual é observado) a todo o momento.

Os fantasmas de seus antepassados lhe rondam os pensamentos e ele sente-se mal por ser um balconista de mercearia. Sua mulher, embora um rochedo de estabilidade, não consegue esconder por completo como gostaria que seu marido fosse mais abastado e tivesse mais status, mesmo seus filhos também o pressionam, querendo condições de vida melhores, mais brinquedos etc. Nesse dilema, Ethan começa a pensar em alternativas para contornar a situação e conseguir melhorar sua vida e sua família.

Steinbeck nos brinda com o dilema que muitas pessoas viveram e vivem até hoje em dia: qual o preço de um homem? Até onde vão os escrúpulos e a moral quando se trata de conseguir dinheiro e uma vida mais confortável para os seus? Até quando um homem pode agüentar a pressão de seu meio social sem adotar posturas extremas?

Nessa verdadeira “sinuca de bico” em que Ethan percebe os olhares maldososamente superiores e o burburinho discreto sobre sua condição (a condição de um Hawley!), é que ele resolve tomar uma atitude, fazer algo efetivo (e não necessariamente o mais politicamente correto) para mudar sua realidade.

O inverno da nossa desesperança retrata bem como a lógica “dinheirística” é impiedosa, e que as pressões sociais nesse sentido acabam gerando uma angústia nas pessoas que se vêem excluídas desse círculo de abastados. Os Hawleys podem talvez serem considerados uma classe média, que oscila entre os extremos da riqueza e da pobreza, cuja indefinição e instabilidade de uma vida de custos restritos acaba por interferir diretamente nas relações familiares e nas atitudes dos indivíduos.

Em 1962, quando da premiação do Nobel, a comissão proferiu que por O inverno de nossa desesperança, Steinbeck tinha “reconquistado sua posição como um arauto da verdade”. Não era para menos, estava aí uma daquelas obras que captam e transmitem como poucos o sentimento de muitas pessoas, traduzindo os anseios dos indivíduos, suas idéias e suas angústias, seus sonhos e seus tormentos; estava aí uma obra digna de um Prêmio Nobel de Literatura.