O escritor israelense David Grossman perdeu seu filho, Uri Grossman em 2006, na guerra Israelo-Libanesa. Antes disso, porém, já falava abertamente contra a postura belicosa de sua pátria. Antes disso, também, já escrevia- de forma bastante lírica.

Exemplo desse segundo aspecto é o livro ‘Desvario’, escrito em 2003 e publicado no Brasil em 2008, pela Companhia das Letras. São duas histórias, ‘Desvario’ e ‘No Corpo Eu Entendo’, que falam sobre algo difícil de definir, mas que cada página.

‘Desvario’ conta-nos a história de Shaul Krauss, um intelectual de meia-idade que ama a esposa com todas suas forças. Esposa essa que, há dez anos, o trai com um artista russo. Quem nos conta isso é o próprio Shaul- ou melhor, ele conta isso para sua cunhada, com quem nunca teve intimidade alguma.

Na outra história somos apresentados a Níli, uma instrutora de ioga que tem uma relação especial com um aluno, muitos anos mais jovem. O fato é retratado- mesclando verdade e imaginação- por sua filha, uma escritora chamada Rotem, que há anos vive na Inglaterra com outra mulher, num relacionamento nunca aprovado por sua mãe.

As duas histórias parecem tratar de dois tipos de amor diferentes, mas não. Tratam, na verdade, de uma mesma faceta do ser humano. Shaul não se sente incomodado com o fato de ser traído. Ele sente a dor disso mas, de certa forma, ele precisa dessa dor, tanto que o relacionamento de sua esposa com o amante atinge contornos quase oníricos, idealizados. Do mesmo modo Rotem ao mesmo tempo se ressente de seu conturbado e distante relacionamento com a mãe, ao mesmo tempo em que vê o garoto como sendo o objeto do amor maior e mais belo da vida de Níli.

Ambas as narrativas, conforme se desenrolam, vão se tornando cada vez mais complexas e construindo sentimentos cada vez mais ambíguos. Ambas as narrativas são dotadas de uma beleza triste e urgente, em que se pode sentir a necessidade que as personagens têm de algo que elas não conseguem expressar- e que talvez ninguém saiba fazer com exatidão.

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