“Ele viu, o russo. o astronauta, viu isso cá embaixo, hoje de manhã, como nenhum homem viu antes dele. E disse: azul. A Terra é azul. Então o que a gente aprendeu até agora nas aulas de geografia está errado.”

Eduardo e Paulo são dois meninos de 12 anos, que crescem em meio a um Brasil da ditadura.  Um dia, são expulsos da sala de aula e, para fugir da suspensão do diretor, decidem pegar suas bicicletas e nadar em um lago da região. A narrativa é uma memória contada, anos depois, sobre esse dia, que marcou os amigos.

“Mesmo aqui, hoje, mesmo nesta cidade estrangeira onde vivo de tempos em tempos, mesmo hoje, às vezes, o mesmo vento frio que pareceu soprar naquele dia morno, balouçando, levemente, de um lado para o outro, suavemente, o capim alto que havia em volta do lago onde a gente foi se refugiar naquela manhã, longe dos adultos, como  tínhamos feito durante todo o verão.”
O refúgio seguro que eles pensaram que encontrariam no lago acaba sendo o local em que eles começam a viver a maior de suas aventuras e, com ela, amadurecer. Trata-se de uma descoberta do cadáver de uma mulher. E é essa memória que dá o título e a abertura do livro:
“Se eu fechar os olhos agora, ainda posso sentir o sangue dela grudado nos meus dedos. E era assim: grudava nos meus dedos como tinha grudado nos cabelos louros dela, na testa alta, nas sobrancelhas arqueadas e nos cílios negros, nas pálpebras, na face, no pescoço, nos braços, na blusa branca rasgada e nos botões que não tinham sido arrancados, no sutiã cortado ao meio, no seio direito, na ponta do bico do seio direito”.
E isso aconteceu em uma terça-feira. Não qualquer terça, mas sim a Terça-feira, 12 de abril de 1961, dia em que o primeiro homem chegou ao espaço.  Edney Silvestre consegue misturar à narrativa esses dois fatos: se por um lado temos uma cena brutal de uma mulher assassinada, de outro, temos a beleza e os sonhos que o homem no espaço desperta na imaginação de Paulo e Eduardo.  “Poderia olhar no calendário e ter certeza. Não quero. Prefiro a certeza da minha lembrança, que me diz ter sido uma terça. No rádio, cedo, um locutor anunciaria? um homem tinha ido ao espaço. O primeiro homem no espaço. um russo. Chanava-se Iuri Gagárin. Ele disse que a Terra era azul e eu pensei, nós dois pensamos, ele e eu, a gente conversou na estrada sobre isso, pedalando sem pressa nossas bicicletas…”
O autor mantém esse mesmo estilo durante a narrativa inteira, confrontando as ideias e experiências sensíveis e belas de dois garotos com outros fatos pesados, como problemas familiares e o assassinato, propriamente dito, como no trecho:
“Paulo ficou sozinho na sala. A dor foi aumentando, tomando conta de suas pernas, seus braços, seu peito, até chegar aos olhos e ia se transformar em lágrimas quando ele mordeu o lábio inferior, com força, cada vez com mais força, tentando transferir uma dor para outra. Mas as lágrimas correram assim mesmo, finas, pelos cantos dos olhos, descendo pelo rosto que já começava a inchar. Paulo correu para o banheiro, fechou a porta sem trinco torcendo para que nem o pai nem o irmão entrassem naquele momento, pegou a toalha de rosto e enfiou na boca. Assim, abafadamente, secretamente, chorou e gemeu enquanto o som de algum rádio, em alguma casa vizinha, trombeteava mais uma vez o primeiro voo que um ser humano tinha feito no espaço”
O cadáver da mulher acaba levando os dois meninos para a delegacia, quando eles decidem avisar a polícia sobre a descoberta. No entanto, os policiais acreditam que eles foram os culpados da morte e somente uma confissão de crime, vinda do médico e marido da defunta, consegue salvá-los de consequências maiores.
Contudo, essa confissão não convence a dupla, que decide investigar o caso. O leitor que acompanhar a história, verá que uma aventura quase que infantil, pode se tornar uma grande narrativa. Se, no início da leitura temos a história de dois meninos, as experiências que eles viverão transforma-os.
Edney Silvestre consegue encantar neste seu primeiro romance.  Com essa obra, publicada pela Editora Record, conseguiu vencer premiações importantes para a literatura, como o Prêmio São Paulo (na categoria romance) e o Prêmio Jabuti (na categoria autor estreante).

Se eu fechar meus olhos agora
Edney Silvestre
304 páginas
Preço sugerido: R$34,90

Saiba mais sobre essa e outras obras no site do Grupo Editorial Record

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