Omar Khayam Shakil é um medico gordo e pervertido, filho de três mães e um pai desconhecido. Quando criança suas mães disseram que ele nunca deveria sentir vergonha, e assim ele fez, por toda sua vida. Por muito tempo foi o melhor amigo de Iskander Harappa, um playboy milionário. Harappa, no entanto, depois de quase morrer, torna-se um homem correto e o severo líder da nação, botando Shakil para correr. Shakil acaba tornando-se amigo e genro de Raza Hyder, um homem extremamente religioso que sofreu humilhação atrás de humilhação, e nutre um amargo rancor por Iskander. A filha mais velha de Hyder, Sufiya Zinobia, chamada de ‘Vergonha’ por sua mãe, a orgulhosa Bilquis, é a esposa de Omar. Ela é deficiente mental, devido a uma encefalite na infância, e, no que tange a vergonha, está no extremo oposto de seu marido: ela assumiu o papel de encarnação da vergonha que lhe foi legado pela mãe, corando de modo quase inacreditável com o mínimo olhar que recebe, e, acabando por ser possuída por esse sentimento, como se fosse possúida por um demônio.

Juntam-se esses personagens aos primórdios da história do Paquistão e notícias sobre jovens paquistanesas mortas na Inglaterra pelo próprio pai; o resultado é o conto de fadas político e moral do escritor indiano Salman Rushidie: ‘Vergonha’, recém-lançado pela Companhia das Letras.

Mais famoso por seu ‘Versos Satânicos’, que lhe rendeu uma fatwa (condenação à morte) por apostasia, Rushidie criou em ‘Vergonha’, seu segundo romance, uma história complexa e trágica, mas que nem por isso deixa de ser engraçada ou bonita. Em alguns momentos a idiotice das personagens é tão grande que é impossível não rir. Em outros só resta questionar se o destino realmente poderia ser tão cruel como o autor o pinta.

Apesar de abusar da ficção Rushidie tece um retrato relativamente fiel da independência do Paquistão e de seus primeiros e tumultuados anos. Ao mesmo tempo as metáforas ampliam essa visão além do país em questão e tornam o romance em algo universal: o conflito não é apenas entre governos militares e civis, nem entre hindus e islãmicos, mas entre vergonha e a falta dela, entre o hedonismo e o fundamentalismo; é um livro sobre o desequilíbrio.

Não li muitos livros do autor, por isso não sei se isso é algo corriqueiro, mas os momentos em que interrompe a história com suas próprias considerações a respeito dela- ou de coisas completamente diversas- acrescentam um sabor especial ao livro.

‘Vergonha’ demorou a ser lançado no Brasil, já que a edição original é de 1983. Mas, ao invés de diminuir o valor da publicação, isso só vem ressaltar o valor do romance já que mesmo orbitando ao redor de um assunto que já não é mais tão evidente na mídia (apesar de as tensões na região continuarem a existir), a obra continua a ser impactante.

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