Ano passado a equipe Meia Palavra e alguns colaboradores, que eventualmente escrevem para nós, montaram uma lista das melhores leituras do ano (não necessariamente lançado naquele ano) para ser usado como referência pelos leitores aqui do site. Para manter essa nova tradição a equipe, colaboradores e alguns convidados (escritores, blogueiros, críticos) escreveram seus pareceres sobre o melhor livro que leram no ano! Um ótimo 2011 para todos, boas festas e boas leituras!

Nessa primeira parte convidamos escritores, jornalistas, blogueiros e críticos para darem seus pitacos:

Braulio Tavares (Escritor e Tradutor): OS DETETIVES SELVAGENS de Roberto Bolaño

É uma experiência inusitada de romance. Aliás, em momento algum fala de detetives, e sim de poetas mexicanos de vanguarda que não fazem outra coisa senão namorar moças bonitas, conspirar uns contra os outros, fumar maconha, pedir dinheiro emprestado, meter-se em confusões com os mais velhos, ou seja, o que os poetas de vanguarda fazem desde o tempo dos assírios e caldeus. Bolaño mistura as histórias de centenas de personagens para registrar (numa pesquisa tipo “Cidadão Kane”) suas impressões sobre Ulises Lima e Arturo Belano, os líderes do movimento visceral-realista. O livro não mostra um só dos seus poemas, e sim a sua vida. Leitura inesquecível.

Samir Mesquita (Escritor): Uma Viagem à Índia (Gonçalo M. Tavares)

Com certeza com o lance da troca de livros pelo 18:30, recebi muitos bons livros. Mas um fato que direcionou minha leitura neste ano de 2010 foi eu ter me mudado para Lisboa em março. Nos últimos meses, tenho lido basicamente autores portugueses. Embora já conhecesse seu nome, só este ano tive o prazer de ler a obra de Gonçalo M. Tavares. Seu livro “Jerusalém” merece realmente todos os prêmios que ganhou, assim como sua coleção “O Bairro”. Mas este ano, Gonçalo lançou aqui em Portugal um livro chamado “Uma Viagem à Índia”, uma verdadeira obra-prima ao meu ver. Uma epopéia como há muito não se via, repleta de verdades inconvenientes e que a cada verso nos faz pensar. Um livro que se lê em poucos dias, mas talvez leve anos para digerir.

Antônio Xerxenesky (Escritor): Never let me go (Kazuo Ishiguro)

O melhor livro que li em 2010 foi “Never let me go”, do nipo-britânico Kazuo Ishiguro. Ele me impressionou por uma série de coisas: pela narradora convincente (esquecemos que o autor é homem ou sequer existe), pelo fato de ser o livro de ficção científica mais sóbrio já visto, e porque é devastador e ponto final. Lançado em português pela Companhia das Letras como “Não me abandone jamais”, o romance, além de discutir questões éticas contemporâneas, injeta novo vigor em um pensamento existencialista mais antigo que minha bisavó. Imperdível. Faz-se mister, porém, que eu também mencione uns livros brasileiros de destaque que li em 2010, pois acho que esses últimos anos estão sendo incríveis para a ficção nacional. Joca Terron lançou “Do fundo do poço se vê a lua”, talvez seu melhor livro, e meu favorito pessoal da série Amores Expressos. Nesse ano também li “O livro dos mandarins”, romance de 2009 de Ricardo Lísias que me enganou e me surpreendou umas quatro vezes durante sua leitura. Por fim, cito o volume de contos “Uma fome”, de Leandro Sarmatz. Apesar de seus três contos breves iniciais serem fracos, é uma estreia assombrosa, um livro seguro de si como poucos. Não tenho dúvidas de que Sarmatz se firmará como um dos melhores nomes da ficção brasileira.

Gabriela Hesz (Coletivo Marte): Juliet Nua e Crua (Nick Hornby)

Desde que uma amiga me apresentou o Nick Hornby (há muito tempo atrás, com o ‘Alta Fidelidade”) eu virei fã do escritor. Li alguns títulos dele e sempre gostei muito, mas nenhum me pegou tanto quanto o Juliet, Naked. O livro conta a história de Annie e Duncan, que é fã convicto de Tucker Crowe, um músico que desapareceu misteriosamente após lançar o consagrado álbum que dá titulo ao livro. Após discordar em um fórum de uma resenha escrita pelo marido, Annie passa a receber mensagens de outros fãs e do próprio músico, dando início à grandes mudanças na vida das personagens. Não sou grande especialista no autor, mas dá pra perceber uma amadurecida na escrita de Hornby. E claro, o fato de o livro envolver na trama um ‘daddy issue’ pode ter sido um dos fatores pelo qual me senti tão atraída pela história. E por mais que esse não seja o objetivo, dá pra levar uma lição legal sobre relacionamentos e a importância deles na nossa vida.

Pablo Vilaça (Crítico do Cinema em Cena): Pela Bandeira do Paraíso (Jon Krakauer)

Jon Krakauer, autor dos excelentes livros-documentário “No Ar Rarefeito” e “Na Natureza Selvagem”, voltou seu olhar em 2004 para o fanatismo religioso representado pelo brutal assassinato da jovem Brenda Lafferty e de sua filha de apenas 15 meses, Erica. Morta pelos próprios cunhados mórmons, Brenda vinha insistindo para que o marido se afastasse das doutrinas dogmáticas pregadas por seus quatro irmãos – até que o mais velho deles, Ron Lafferty, recebeu um “comunicado divino” para que livrasse o planeta da presença maligna da cunhada e da sobrinha bebê. A partir daí, Krakauer busca retratar não apenas a trajetória de Ron e seu irmão Dan (autor dos crimes) no mormonismo, mas também o próprio nascimento da religião iniciada pelo “profeta” Joseph Smith Jr. em 1830. Intrigante e tão bem escrito quanto os demais livros do talentoso Krakauer, Pela Bandeira do Paraíso funciona, de maneira direta e indireta, como uma condenação violenta do próprio conceito de religião – e é assustador que uma das constatações mais lúcidas presentes na obra parta do assassino fundamentalista Dan Lafferty: “A religião organizada nada mais é do que o ódio disfarçado de amor”.

Tauil (Editor do Artilharia Cultural): A borboleta amarela (Rubem Braga)
A borboleta amarela é, além de uma leitura prazerosa, uma aula sobre este gênero tão tipicamente brasileiro: a crônica. Rubem Braga é a medida exata do cronista, não é à toa que ele foi um dos primeiros (senão o pioneiro) a sobreviver às custas da crônica, que é como uma conversa boa, dizem. Essa coletânea foi feita pelo próprio autor e eu indico a todos que andam desiludidos ou cabisbaixos, a todos que ainda não descobriram os pequenos presentes que a vida nos oferece cotidianamente. Aqui vai um gostinho dessa lição oferecida em prosa de altíssima qualidade:

“Vinde. Vamos tocar janeiro, vamos por fevereiro e março e abril e maio, e tudo que vier; durante todo o ano a gente esquece; é menos mal. E às vezes dá uma aragem. Dá sim; dá, e com sombra e água fresca […], vosso mal tem cura. E se não tiver, refleti que no fim todos passam e tudo passa; o fim é um grande sossego e um imenso perdão”

Benjamin Moser (Escritor): O Outono da Idade Média

Arte, sob todas as formas, sempre fora minha verdadeira pátria. Nos museus de Bruges, na igreja de São Bavo de Gand, onde estão conservadas as relíquias dos mestres antigos. Aquele mundo é descrito em todas as suas cores pelo grande historiador Johan Huizinga, cujo livro “O outono da idade Média” (no original: Herfsttij der middeleeuwen) foi um dos primeiros livros que consegui ler em holandês. Apesar das dificuldades com a língua, me senti empolgado pela história deslumbrante que contou. Na descrição que Huizinga faz deste mundo novo, se entende tudo o que tinha de mais revolucionário aquele momento em que o nosso mundo nasceu. Sentimos o renascimento do individuo, a sua separação da indistinção das massas medievais. Vemos a emergência de três gêneros romanos extintos desde a Antiguidade – a natureza morta, a paisagem, e, sobretudo, o retrato. Pela a primeira vez passamos a ver personalidades distintas, passamos a ver pessoas em lugares que reconhecemos. Em nenhum outro lugar vemos tão literalmente o sentido da palavra “Renascimento”.

Luciana Thomé (Jornalista e Escritora): Uma comovente obra de espantoso talento (Dave Eggers)

2010 foi um ano para ler clássicos ainda não lidos. Entre eles, 1933 foi um ano ruim, do John Fante (que leva minha menção honrosa). E foi nesse espírito que surgiu o meu “melhor do ano”. Uma comovente obra de espantoso talento, de Dave Eggers (Rocco / 2003), é uma relato cru e, ao mesmo tempo, sentimental de um rapaz que se vê responsável pelo irmão menor, depois da morte dos pais. Como lidar com o luto? Como amadurecer automaticamente, criar alguém e ser exemplo quando se tem vinte e poucos anos? Misturando relatos e reflexões, Eggers conta essa história com humor, criatividade e emoção, mas sem desperdiçar doses de sarcasmo, humor negro, metalinguagem, responsabilidade e irresponsabilidade. A obra é autobiográfica, e também conta como Eggers ajudou a fundar a revista Might. Um livro divertido, louco e humano. Como todo o bom jovem.

Daniel Benevides (Amálgama): O maior espetáculo da Terra: As evidências da evolução (Richard Dawkins)

É o livro de divulgação de Richard Dawkins mais indicado para o grande público. Mais sucinto que A grande história da evolução, mais leve que O relojoeiro cego. Da mesma linhagem de Carl Sagan, Dawkins é o tipo de cientista que coloca a serviço da educação do público um enorme dom para a escrita. Seja lendo sobre a domesticação de caninos ou sobre os experimentos com peixes e colônias de bactéricas que mostram a evolução ocorrendo “bem diante de nossos olhos”, nos vemos o tempo todo sublinhando passagens, fazendo anotações no canto das páginas e gravando referências. De fato, umas das coisas que Dawkins mais faz por mim (e por muita gente) é me levar, em seguida à leitura de um de seus livros, a adquirir um punhado de outros. Foi graças a dicas do biólogo britânico que cheguei até autores como Alan Sokal, Neil Shubin, Lewis Wolpert e, claro, Charles Darwin.

Diana Passy (Mídias Sociais da Companhia das Letras): Só Garotos (Patti Smith)

O melhor livro que eu li esse ano com certeza foi “Só garotos”, da Patti Smith. Considero ela minha musa já faz algum tempo, e fiquei muito feliz quando descobri que ela estava escrevendo um livro autobiográfico. Comprei em inglês assim que lançou. Fiquei até apreensiva quando fui começar a ler — e se eu me decepcionasse com o livro? Mas no final eu acabei me apaixonando pela história tão bonita de Patti Smith e Robert Mapplethorpe, dois jovens talentosos tentando descobrir o que queriam ser numa época tão importante para a cultura. A Patti sempre teve o hábito de escrever, e manter diários, então o livro é cheio de detalhes — e participações especiais de artistas da época, claro.

Sara Hypolitho (Diretora de programas na MTV): Eu sou Ozzy (Ozzy Osbourne)

Para mim, não houve lançamento nenhum que chegasse aos pés de “Eu Sou Ozzy”, livro que ainda estou lendo. E já vou dizendo que é o meu favorito do ano – isso porque não vai dar tempo de ler a do Keith Richards antes do dia 31, apesar de já estar na cabeceira da cama – por inúmeros motivos. O livro, que teve tradução de Marcelo Barbao e foi lançado pela editora ARX com 416 páginas, conta a história da vida do roqueiro de maneira intensa e ao mesmo tempo hilária, desde sua infância. Saber que os caras do Black Sabbath não tinham nenhum interesse em satanismo ou coisa do tipo é legal, mas saber disso com o texto do Ozzy é muito mais legal. O que eu pessoalmente acho mais bacana é a maneira como as coisas foram escritas, muito sinceras. Parece que o Prince of Darkness está contando a história só para mim, entre um whisky e outro.

Carol Bensimon (Escritora): A fraction of the whole (Steve Toltz)

Comprei esse livro em uma livraria anglófona, quando ainda morava em Paris. É o primeiro romance de um escritor australiano, e ainda não foi publicado no Brasil. Não tinha ouvido falar absolutamente nada sobre a obra, mas a capa me obrigou a pegá-la e, posteriormente, o primeiro parágrafo me obrigou a comprá-la. O livro relata as peripécias de uma família excêntrica e espertinha, os Dean. É absolutamente sensível e absolutamente engraçado.

Thiago Borbs (Editor Judão e VJ da MTV): The Walking Dead (Robert Kirkman)

Eu queria gostar mais de ler. Ler qualquer coisa. Tenho sempre a necessidade de precisar gostar e me interessar muito logo de cara pelo que estou lendo pra que eu consiga chegar ao final. Demora, eu durmo horas no meio, passo dias sem ler uma linha… É complicado. Com o meu iPad, jurei pra mim mesmo que iria tentar ler mais. Comecei com uma história em quadrinhos, The Walking Dead, aproveitando a estreia da série na TV… Foram 78 edições em uma semana. Deitava na cama cedo, dormia tarde. Não conseguia parar de acompanhar a história dos “Mortos-Vivos”. Eu, fã incondicional de Watchmen, coloco The Walking Dead não só como a melhor leitura desse ano, mas como a dos últimos 27 anos. Vida longa e próspera à Robert Kirkman!

Maíra Viana (Escritora e Produtora do Teatro Mágico): Lugar (Reni Adriano)

A leitura que me arrebatou nesse ano de 2010 foi o livro intitulado “Lugar”, do escritor mineiro Reni Adriano. A trama de ficção é uma teia que vai sendo habilmente tecida e a narrativa vai nos conduzindo por entre os meandros de uma família aparentemente impossível de se formatar. O universo desse “Lugar” descrito, as pessoas de lá, suas urgências e suas dores reverberam no coração da gente. Ao abrir a primeira página, estive dentro de um fôlego só, o meu. Colocando-me no “Lugar” daqueles de nome-poema, ressignificando-os a lápis. Traço-chance de literatura viva. Àrvores genealógicas tantas ao pé das folhas impressas. A obra é um abraço e um abismo para os que seguem sem começar. Cada capítulo é um braço-galho de árvore-mãe. Trama que estremece a pupila mais atenta. Seus personagens: crias; frutos desvairados desmemoriados de parentescos. “Lugar” é um livro mas é também um outro mundo onde ainda estou e onde amanhã certamente estarei, matutando essa inquietude que me espreita e cutuca toda vez que vejo a capa, tiro-o novamente da estante e recomeço a leitura.

Paula (Organizadora do Clube de Leitura Bookworms): A sombra do vento (Carlos Luiz Zafón)

Achei o livro surpreendente porque mistura gêneros (aventura e um estilo um pouco gótico) e entrelaça bem várias histórias: a que envolve o cemitério dos livros esquecidos, a história de Daniel mesclando-se com o que ele descobre de Julián e as relações pessoais de Daniel. Fica a expectativa de saber o que acontece fica até o final.