Idioma artificial ou construído é qualquer idioma que, ao invés de ter surgido de um processo de evolução natural da comunicação, do pensamento e da sociedade humanas (não vou entrar em detalhes, o assunto é demasiado complexo) foi criado por um indivíduo ou um grupo, com um objetivo específico.

Alguns, como o Esperanto e a Interlíngua, visam facilitar a comunicação entre nativos de diferentes idiomas, tendo pontos comuns a vários e facilitando o aprendizado. Já Sindarin e Klingon, por exemplo, obedecem desígnios criativos.

O que todas as línguas que eu mencionei têm em comum é o fato de, apesar de terem surgido de modo artificial, tentarem funcionar como se fossem idiomas naturais, ou seja, podem ser estudados e, em grau maior ou menor, pode-se inclusive atingir fluência neles.

John Quijada, no entanto, criou um idioma que foge a essa regra: entre 1978 e 2004 ele desenvolveu um idioma chamado Ithkuil- e depois uma variante, o Ilaksh- que não apenas não pretende agir como um idioma natural mas que também não possui nenhum falante fluente (nem mesmo seu próprio criador).

O Ithkuil, segundo Quijada, prente agir como um idioma humano logicamente perfeito agiria, excluindo qualquer possibilidade de ambiguidade, polissemia ou redundância. De certa forma, isso me lembra um pouco a Novilíngua de Orwell, mas primando pela complexidade, ao invés do minimalismo.

E que complexidade: são 65 sons consonantais e 17 vogais, sendo todos emprestados de idiomas existentes, incluindo sons ao Abecásio e Checheno. São 3600 palavras formativas, que podem ser substantivas ou verbais, e elas podem alteradas em uma infinidade de maneiras- recebendo sufixos, afixos, declinações e etc. Só como ilustração, os substantivos podem ser declinados de 81 modos diferentes.

O alfabeto é outra ponto interessante. Quijada criou também seu alfabeto, denominado içtaîl, palavra Ithkuil para ‘sistema de escrita hipotético’, que a primeira vista lembra de algo mais ou menos entre o Klingon e um jogo de Atari. É, no entanto, algo muito mais complexo, ligando-se intimamente a gramática e morfologia da língua. As partes previsíveis da pronúncia não são escritas, sendo que apenas os componentes imprevisíveis da pronúncia e as informações gramaticais que permitam a reconstrução das partes omitidas estão presentes.

Depois da publicação do artigo que apresentou o idioma, na revista russa Computerra, Quijada recebeu muitas mensagens de entusiastas, reclamando da pronúncia difícil. Revisou, então, toda a morfofonologia do idioma, chegando a uma versão mais ou menos simplificada, o Ilaksh.

Tanto o Ithkuli quanto o Ilaksh são idiomas impossíveis- sua complexidade e exatidão são demasiadas para que qualquer pessoa possa aprendê-los de forma efetiva. Não acredito, no entanto, que o esforço de Quijada seja vão, já que além de um intrigante exercício lógico e lingüístico, seus idiomas servem para nos fazer agradecer a inexatidão de nossas mentes.

PS: Clicando aqui você encontra o site oficial com as gramáticas de ambos os idiomas.

PPS: A figura que ilustra o artigo é a grafia Ithkuil para ‘No nosso veículo deixa o terreno e se precipita ao longo da borda do precipício em direção ao fundo do vale, eu pondo se é possível que se possa alegar que eu sou culpado de um ato de falha moral, não tendo conseguido manter um bom curso ao longo do estrada.’

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