R$ 20,00 – se cobrarem mais, chame a polícia

Esta inscrição na quarta capa foi tudo que li no intervalo entre a compra do livro e o bate-papo com vários autores que lançavam suas obras na Itiban Comic Shop. Só sabia que, de alguma forma, o livro continha um cachorro quente serial killer. Uma sinopse um tanto inusitada: como seria o modus operandi do meliante? Matando suas vítimas por engasgamento? Paguei para conferir. Ao menos algo divertido deveria sair daquilo tudo.

Como O mez da grippe e outros livros, de Valêncio Xavier, tinha sido minha leitura mais recente, o termo experimental já voluteava em minha cabeça. (Pequena nota mental: sim, eu uso palavras como voluteava. Durma com um barulho desse.) Na Itiban, Bruno Azevêdo pôde discutir um pouco como adjetivos como este e independente soam quando conjugados com a palavra escritor. Que sua experiência lhe fez acreditar que classificar certa literatura como experimental apenas denota que ela difere do que seria normal, segregando-a. E que, enquanto ser quadrinista independente tem seu charme, o mesmo não vale para escritores.Pensando no estigma do independente e percebendo que O Monstro Souza não sairia de acordo com seu projeto (a editora que quase o publicou titubeava em permitir que a orelha do livro também fosse utilizada por parte da narrativa, em vez de ser preenchida com alguma estratégia de marketing), Bruno resolveu criar a editora Pitomba.

Souza é uma barraca de cachorroquente, souzas são os rotidógs que ela produz e O Souza é o sujeito que, aparentemente, teve a ideia toda.

Um souza esquecido num canto transforma-se miraculosamente no tal d’O Monstro Souza. Suas serventias: comida para alguns, parceiro sexual para outros e destino final para os que não se enquadram nas categorias anteriores (leia-se: morte). Torna-se caso de polícia.

A história se passa nas ruas de São Luís, capital do Maranhão. A cidade é retratada de forma a não mascarar a realidade, suas coisas boas e ruins: uma visão de quem vive na cidade, não uma versão elaborada para turistas. O que não significa que o tom da obra seja essencialmente realista…

Ahn, eu acho que você já deixou isso claro quando falou do cachorro quente assassino, lembra?

Será que eu poderia terminar o raciocínio? Como eu dizia, o tom da obra não é meramente regional-realista. A quantidade de referências, literárias ou não, a obras internacionais é imensa, ainda que pontuadas aqui e ali com o aportuguesamento de palavras como o já citado rotidóg edelíveri. Não sei se conseguiria captar todas (algumas estão presentes noGlossário Elucidativo Subeta, no final do livro), mas admito que fiquei intrigado quando, já nas primeiras páginas, percebi referências a Kafka (e seu Gregor Samsa, protagonista de A metamorfose) e a Douglas Adams (e seu gerador de improbabilidade infinita, que aparece em, creio eu, A vida, o universo e tudo mais). Para o leitor, isso dá uma sensação de comfort food.E, se isto é um dos objetivos de algumas franquias de fast-food, por que não o seria para um romance festifud?

Todos os recortes de jornais são reais, acredite!

O Monstro Souza – romance festifud não se restringe a referências escritas. O livro é composto por um emaranhado de notas musicais, gestos para surdos, fotocópias de panfletos, recortes de jornais, gravuras, suplementos para RPG, anúncios publicitários… e quadrinhos. Muitos quadrinhos.

(Interrompemos nossa programação para um momento de desabafo: o que são estes recortes de jornal? Não são poucos os erros de revisão, ortografia e gramática. Alguns chegam a parecer propositais de tão absurdos – o que só aumentou meu susto ao ler que eram todos excertos reais. Enfim.)

Bruno Azevêdo declarou que, para a criação do volume, tinha importunado muita gente, mas só tive uma ideia exata disto quando vi a quantidade de quadrinhos e ilustrações de autores diversos para as peripécias do monstro. E mesmo nas hqs há uma série de referências a criações de outros quadrinistas: personagens de Hergé, Laerte, Angeli, Maurício de Souza, Art Spiegelman, Ziraldo e Will Eisner, dentre outros, aparecem em situações inusitadas. Nas palavras de Bruno, ao se referir a tais empréstimos e ao expressar sua forte ligação com esta parte de sua memória: tudo que me coloniza, me pertence.

Acabou? Não vai nem dizer se gostou ou não, se o livro é divertido ou não é?

Cara, não sei se te entendo. Uma hora você me interrompe porque está algo já claro o suficiente; na outra, me faz perguntas cujas respostas ME parecem óbvias. Sim, gostei (senão não teria dado o trabalho de falar sobre ele). E, sim, é divertido. Bastante.

Update: Quem tiver se interessado pelo livro (e não estiver em Curitiba, afinal a Itiban tem ele pra vender), o contato para adquiri-lo pode ser feito pelo blog  do Romance Festifud. Lá você também pode conferir pin-ups diversas baseadas no protagonista do livro (gostei muito das do Eduardo Filipe, o Sama).