Na cidade de Ítaca, Vale de San Joaquin, Califórnia, vive a família armênia Macauley. Nela, mãe e três filhos – Bess, Homero e Ulisses- esperam a volta de Marcus, irmão que foi convocado para batalhar na Segunda Guerra Mundial. “A Comédia Humana”, de William Saroyan, publicado pela primeira vez em 1942, é uma narrativa dividida em pequenos capítulos sobre o cotidiano dessa família e das pessoas que vivem na pequena cidade.

Apesar do livro ter vários capítulos destinados às diferentes personagens, percebe-se que a narrativa se concentra em Homero e, em segundo plano, no Ulisses. Com 14 anos, Homero estuda e trabalha em um telégrafo como entregador, enquanto que Ulisses é um grande observador do mundo, interessado a respeito de tudo que se passa ao redor. É curioso notar que esses dois personagens são crianças e carregam consigo um peso extremamente forte em seus nomes.

Na História da Grécia, Homero foi um poeta épico, que escreveu Ilíada e Odisséia. Ulisses é o personagem desses livros, que era justamente rei de Ítaca (da Grécia). Acredito que esses nomes não surgem por acaso nos personagens de “A Comédia Humana”, mas sim, selam um laço entre os irmãos, que poderá ser notado ao longo do livro, bem como a força e determinação dos dois.

No capítulo “A Aula de História Antiga”, o autor volta a fazer referências à historia de povos antigos, desta vez, em um ambiente de sala de aula, em que a professora, Srta Hicks, tenta, a todo custo, ensinar os alunos que insistem em suas brincadeiras e rixas particulares.  Ela, apesar de achar graça, esconde esse sentimento e tenta manter a ordem na sala.

Durante todo o livro, William Saroyan consegue narrar, com sensibilidade, o cotidiano. Homero, por exemplo, tem que entregar telegramas do Departamento de Guerra à respeito de mortes de soldados e precisa aprender a lidar com a reação dos familiares que recebem a notícia. Toda vez que algo emocionante o acontece, ele sente, segundo o autor, “um enjôo”, que, nada mais é, do que essa tomada nova de sentimentos e amadurecimento.

Outro aspecto interessante de Homero, é que ele tem admiração pelo seu chefe, Sr. Spangler, e traça alguns objetivos, como vencer uma corrida com obstáculos, para cumprir com as mesmas realizações do chefe quando esse tinha a mesma idade do garoto.

Já Ulisses, menino mais novo, é tão cativante quanto Homero. Com poucas ou nenhuma palavra nos “diálogos” que traça com outras personagens da narrativa, o menino encanta pela ação. Por exemplo, todos os dias um trem passa perto de sua casa com um negro acenando, dizendo que irá para casa, e Ulisses retribui, e encara o gesto como o melhor de seu dia. Em outros momentos, o personagem percorre o mercado de Ítaca e a trupe local de meninos, sempre com um olhar curioso, que traz a novidade e uma nova perspectiva do cotidiano até mesmo em um damasco verde roubado do vizinho. E toda vez que Ulisses descobre algo novo, ele dá um leve chute em seu calcanhar.

Aos poucos, passado de personagem em personagem, o autor nos deixa uma sensação de esperança em relação à sociedade. Temos, além das duas crianças, Bess, que é a irmã mais velha e dedicada, que busca por emprego e colocação nessa nova sociedade. Além dela, Sra. Macauley, o dono do mercado e seu filho, um assaltante, Spangler e Grogan, os meninos de Ítaca, Srta Hicks, e muitos outros, além dos soldados, Marcus e Tobey.

Essa visão do autor pode ser vista novamente na professora, Srta Hicks, que ensina a Homero o que é cidadania e o que espera dele, em uma conversa franca que ultrapassa a relação de professora e aluno, mas sim, é uma relação entre seres humanos que se respeitam. Em um segundo momento, no telégrafo, quando Spangler conversa com um assaltante, acontece outra conversa que também transpassa esses limites. Acredito que esse trecho, que trata-se do fim da conversa do assaltante, resume o espírito de Saroyan no livro:

“Durante muito tempo, senti desprezo pelos patéticos, da mesma forma que pelos orgulhosos; e então, de repente, a milhares de quilômetros de casa, numa cidade estranha, descobri um homem que foi decente. (…) Não desejo nada mais do senhor. O senhor me deu tudo o que quero. Não pode me dar mais nada. O senhor entende, eu sei. Quando me levantar, será para me despedir. Não precisa se preocupar comigo. Vou para a minha terra. Não vou morrer dessa doença. Vou viver, e agora vou descobrir como viver.”

Saroyan nos mostra, em “A Comédia Humana”, que mesmo durante a Guerra e em um país estrangeiro, pode-se encontrar a decência, o caráter e a coragem. A leitura é delicada e muito prazerosa, tornando-se, para muitos, a melhor obra do autor, conforme era o desejo do autor, que dedicou a obra à mãe. Existem tantos outros trechos do livro que gostaria de ter falado aqui, mas acho que é melhor deixar por conta de cada leitor, que por si só vai conhecer cada passagem da narrativa.

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A Comédia Humana
Autor: William Saroyan
Páginas: 214
Preço Sugerido: R$35,00

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