Os shandys – homenagem a Tristram Shandy – são integrantes de um grupo de intelectuais, seleto e obscuro, que retrata a vanguarda no início do século XX. Entre os integrantes está Marcel Duchamp, Tristan Tzara, Georgia O’Keefe, Cesare Varese, Paul Morand, Jacques Rigaut, Scott Fitzgerald e Fernando Pessoa. Não isso não é uma biografia real, é um experimento quase antropológico de Enrique Vila-Matas em História Abreviada da Literatura Portátil, lançado pela Cosac Naify em 2011 – responsável por trazer O Mal de Montano, Paris não tem fim, Suicidios Exemplares e Doutor Passavento do autor catalão –, para descrever as excentricidades desse grupo de intelectuais.

Publicado originalmente em 1985 e marco inicial da intitulada “A Catedral da Metaliterária”, História Abreviada da Literatura Portátil é, acima de tudo, uma carta de intenções de um autor e ao mesmo tempo um ensaio, assim como ocorreu em Bartleby & Companhia, que juntos formam um romance, uma pequena conjuctura de histórias gigantescas que podem ser levadas no bolso. Não obstante, este exemplar publicado pela editora está em um tamanho reduzido, uma ótima maneira de homenagear os personagens “reais” da sociedade portátil.

Nessas pequenas narrativas a vida dos membros desse grupo vivem aventuras cômicas cheias de femme fatales que escondem o lado negro de cada personagem e suas vidas vazias, tediosas e trágicas. A sociedade shandy (no dialeto de algumas regiões do condado de Yorkshire significa “indistintamente alegre, volúvel e louco”) funciona como um antisseribiótico, isto é, a via contrária a moralidade repressiva de uma época em que todos precisavam se libertar e transgredir aquilo que apreendia o espírito inventivo.

A história se situa entre 1924 e 1927 e narrador não admite se fez parte da sociedade ou se simplesmente é um historiador querendo desvendar os pequenos grandes feitos dos shandys, a ingressão de cada membro, a dissolução do grupo e tudo sobre sua literatura leve.

O objetivo em comum, e a regra máxima, dessa sociedade é conseguir criar obras que coubessem em uma maleta – sim, a tal Literatura Portátil – e ao mesmo tempo conseguir novos membros durante suas andanças que começam na África e vão até Sevilha. Nesse trajeto boêmio festas e figuras exemplares surgem para consolidade o talento “biográfico” de Vila-Matas para recriar a história de seus maiores ídolos em uma aventura lúdica.

História Abreviada da Literatura Portátil prova que a palavra escrita é a melhor maneira de camuflar o medo do ser humano e que diversas histórias são possíveis em pequenas doses, em pequenos momentos isolados dentro de um grande turbilhão que seria verídico de tão absurdo que algumas situações possam parecer.

Do marasmo intelectual ao ápice do fracasso boêmio nossos anti-heróis perdem o que não tinham a perder, criando a ordem dentro de uma desordem dolosa. Carregando ironia – a única forma de respirar dentro dessa obra portátil – Vila-Matas presenteia os leitores com uma história, longe da solidão criativa, para mostrar que há histórias que merecem ser contadas em tamanhos compactos, sem a necessidade do onanismo descritivo, apenas factual – dentro de seu, e agora nosso, universo, é claro.