Qual a parte mais difícil de escrever? Particularmente, eu acredito que seja começar. Sentar em frente à escrivaninha e ter de encarar a folha de papel (ou a tela) em branco, sem nenhum auxílio, sem nenhum material que possa ser consultado: apenas o você, suas idéias e o papel, esperando que algo surja.

Na maioria das vezes que escrevo- sejam contos, poemas, peças, ensaios ou até mesmo resenhas- as primeiras palavras são as mais difíceis. Não é difícil, aliás, explicar o motivo: muitas vezes é na primeira página, no primeiro parágrafo, na primeira frase que se ganha ou se perde um leitor. Um começo ruim pode botar todo um livro à perder.

Essa angústia, porém, não é particularidade minha: recentemente descobri que, entre as inúmeras pessoas com as quais eu a compartilho figura um de meus autores favoritos, Amós Oz. Ele afirma invejar, de certa forma, o pai- que escrevia livros acadêmicos e para quem a angústia de começãr não era tão grande (porém surge ai a angústia da falta de liberdade, mas isso é outro assim). E foi pensando nisso que escreveu E a história começa.

O livro é composto de 10 ensaios, baseados em aulas e conferências que ele deu em Universidades e kibuttzim. Nesses ensaios, Oz analisa os contos que, ao seu ver, tem os melhores inícios da história da literatura: Effi Briest, de Theodore Fontane; Na flor da idade, de Agnon; O nariz, de Gogol; Um médico rural, de Kafka; O violino de Rothschild, de Tchekhov; Mikdamot, de Yizhar; História: um romance de Elsa Morante; O Outono do Patriarca, de García Marquez; Ninguém disse nada, de Raymond Carver e, por fim, Um leopardo particular e muito apavorante, de Yaakov Shabtai.

Esses contos são, um a um, dissecados cuidadosamente. O israelense expõe em detalhes- e com exemplos- os motivos que o levaram a achar que começam tão bem. Mas não faz apenas isso: ele recorre à uma espécie de engenharia reversa, e tenta reconstruir o modo como esses contos- e seus começos- foram pensados pelos respectivos autores.

Alguns são bons por mentirem, alguns justamente por falarem a verdade, outros porque escondem quase tudo e há ainda os que explicitam tudo. Oz nos explica o conceito que rege o funcionamento de cada conto e a forma como molda seu início. Em alguns casos ele recomenda até que o conto seja lido mais de uma vez, já que muitas coisas ganham um novo sentido ao serem lidas pela segunda vez- e já com o conhecimento de sua seqüência.

E a história começa é um livro bastante interessante para quem escreve- algumas considerações podem servir como dicas- mas também é de especial utilidade para quem estuda literatura, além dos fãs do autor- ou de qualquer um dos autores que ele cita. E, apensar de não ser mandatório, acredito que o livro é infinitamente mais bem aproveitado com os 10 contos do lado, para que se possa ver com os próprios olhos o que Amós diz.

 

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