Primeiro Amor, de Samuel Beckett, é uma dessas surpresas que atordoam o leitor desde a primeira sentença até o final. Por mais que o nome crie uma expectativa sobre alusões e metáforas amorosas, não podemos esquecer que a narrativa de Beckett surpreende pelo seu contexto taciturno e seu humor (que no Brasil renderia processos com certeza).
Primeiro trabalho escrito em francês pelo escritor irlandês, autor de Esperando Godot, Como é e Inominável, e publicado somente em 1970, Primeiro Amor foi lançado pela editora Cosac Naify em 2008, com traduções e ilustrações de Célia Euvaldo.O personagem principal é indefinível, seria ele uma vítima – após a morte do pai ele é expulso de onde mora e tem de viver na rua -, um desalmado e mal humorado jovem de vinte e poucos anos de idade – por se envolver e descobrir nas páginas finais que Lulu é uma prostituta – ou um homem banal? Essa novela trata o amor, a morte e os vivos como coisas banais. O narrador chega a dizer que não consegue diferenciar o cheiro dos vivos e dos mortos em suas sepulturas.
A associação inicial de amor do narrador-personagem é com a morte, era inevitável para ele não lembrar de cemitérios, e especialmente do falecimento do pai, para contar sua história de amor. Essa história é carregada de um humor cínico, irônico, negro e escatológico. Citando por cima, o narrador conta que descobriu o que era amor ao escrever inúmeras vezes o nome da amada, que se apresentou como Lulu – apelido que odeia e resolve substituir por Anne -, em uma bosta de novilha dentro do estábulo onde dorme e logo após chupar o dedo!
Um título romântico e um tamanho reduzido. Não importa o tipo de reação que o leitor terá a cada uma das 32 páginas que ler, ele será intimado por esse monólogo banal a chegar até o fim e descobrir que não existe unicamente suspiros e declarações numa história de amor.