Não raro e até acertadamente, associa-se essa história de “jornalismo literário” a escritores renomados e barulhentos, atrás de histórias fantásticas e personagens célebres. Gay Talese, John Hersey e Truman Capote, por exemplo. Um crime fantástico, nas mãos de um habilidoso narrador torna-se um acontecimento literário.

Acontece que certo dia de um outubro passado, eu tinha uma tarefa da faculdade: resenhar um livro desse “jornalismo literário”. Apaixonado, fui a um sebo, e na seção “Jornalismo” não encontrei Talese, tampouco Hersey ou Capote. O que encontrei foi uma edição de 2003 da coleção da Companhia das Letras – Jornalismo Literário com o seguinte título: O Segredo de Joe Gould, de Joseph Mitchell. Até então, Mitchell era desconhecido para mim. Mal sabia eu que ler esse  americano mestre da produção jornalística deveria ser obrigatório em qualquer curso de jornalismo no mundo.

Pois bem. Joseph Mitchell nasceu em 1908, na Carolina do Norte. Mudou-se para Nova York em 1929, um dia depois da “Quinta-Feira Negra”, do crash da Bolsa. Trabalhou em jornais, como o New York Herald Tribune até 1938, quando passou a integrar a redação da New Yorker. Trabalhou lá até o final da vida, em 1996.

Na edição da Companhia das Letras, o cineasta João Moreira Salles crava no posfácio: “Em carta à redação, o editor [Willian Shawn] que dedicara 57 anos a publicar uma das revistas mais extraordinárias do século passado escreveu: ‘Como disse um leitor, a New Yorker foi a mais gentil das revistas. Talvez tenha sido também a melhor, mas isso tem muito menos importância’. As palavras se aplicam a Mitchell. Talvez ele tenha sido o melhor de todos, porém o mais importante é que foi o mais gentil. Escreveu com imenso carinho […]. Escrevia para que as coisas não morressem”.

“Joe Gould é um homenzinho alegre e macilento, conhecido em todas as lanchonetes, tabernas e botecos imundos do Greenwich Village há um quarto de século. Às vezes, ele se gaba de ser o último dos boêmios. ‘Os outros todos caíram fora’, explica. ‘Uns estão na cova, outros no hospício e alguns no ramo publicitário’. Sua vida não é nada fácil; três flagelos o atormentam: falta de tempo, fome e ressaca. […] Tem 1,62 metro de altura e dificilmente pesa mais que 45 quilos. […] ‘Nos Estados Unidos, sou a maior autoridade em privação’, garante. ‘Vivo de ar, autoestima, guimba de cigarro, café de caubói, sanduíche de ovo frito e ketchup”.

Esse é o início do primeiro perfil sobre Joe Gould que Mitchell publica, em 1942: “O Professor Gaivota”. 22 anos depois, em 1964, o autor publica o segundo e derradeiro: “O Segredo de Joe Gould”.

Em resumo, os dois perfis contam a trajetória de Joseph Gould, boêmio-mendigo de NY, formado em Harvard e que prometia a todos escrever o livro mais extenso de toda a história, “que até o momento conta com mais de 9 milhões de palavras”, A História Oral de Nossa Época. Gould acreditava que a verdadeira história de uma nação se faz por meio das conversas e atitudes cotidianas das pessoas. “Repositório de tagalerice, uma coletânea de disparates, mexericos, embromações, baboseiras, despautérios”, segundo o próprio autor.

O hiato de 22 anos entre as duas publicações revela uma característica bastante inata de Mitchell: a demora para concluir seus artigos. Depois da publicação de “O Segredo de Joe Gould”, em 1964, Joseph Mitchell continuou a ir até a redação da New Yorker todos os dias, batendo sem parar na sua máquina de escrever, e todo mês recebendo seu salário modesto, até 1996, ano de sua morte. Porém, nunca mais publicou nada.

Leitura fundamental para jornalistas, bastante prazerosa para qualquer apaixonado pelas palavras.

O Segredo de Joe Gould
Joseph Mitchell
Tradução: Hildegard Feist
160 Páginas
Preço sugerido: R$43,00

Sobre o autor: Guilherme Sobota é estudante de jornalismo na UFPR, e sua maior frustração profissional e acadêmica até agora é não ter conseguido fazer uma matéria sequer no setor de Letras da Universidade. Trabalha na Biblioteca Pública do Paraná, onde compõe a redação do Cândido, jornal mensal da BPP, com a coordenação editorial de Rogério Pereira e Luiz Rebinski.

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